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Por que mulheres pagam mais caro em produtos? Entenda a ‘taxa rosa’ por trás dos preços

Ir às compras é um hábito que tem pesado mais no bolso das mulheres do que dos homens. Isso porque os produtos destinados ao público feminino tendem a ser, em média, 12,3% mais caros, mesmo que sejam idênticos aqueles feitos para o público masculino, segundo a pesquisa «Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo». Essa tendência de encarecer os produtos «rosa» no Brasil foi constatada pelo professor Fábio Mariano Borges, da ESPM, nesta pesquisa inspirada no estudo realizado pelo DCA (Departament of Consumer Affairs), de Nova York, que confirmou a presença da chamada pink tax em produtos nos Estados Unidos.

Segundo a pesquisa brasileira, há categorias em que a diferença é ainda mais visível, chegando a subir para 17% em vestuário adulto, 23% no vestuário infantil, 23% em cortes de cabelo e 26% em brinquedos.

Pagando mais caro desde a infância
A publicitária Samantha Gravena, de 42 anos, é mãe dos gêmeos Melissa e Theo. Ela conta que, quando eles eram bebês, não costumava comprar produtos específicos para menino ou menina. Mas conforme foram crescendo, eles mesmos começaram a escolher o que cada um queria.

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«Brinquedos e roupas para ela sempre foram mais caros. Hoje eles têm sete anos e sempre gastei mais com a Mel do que com o Theo.»

Samantha até entende que as fantasias de princesa que a filha prefere custem mais do que aquelas que o Theo quer que geralmente são de super-heróis. Isso porque, segundo ela, as fantasias de menino, por exemplo, são mais básicas, enquanto as de menina são feitas de vestidos mais elaborados e, geralmente, custam o triplo do preço.

«Tem coisas que até justificam o preço mais alto.  Mas no caso do shampoo não tem como justificar, até porque só a embalagem muda. E mesmo que tenham que pagar os direitos por usar a imagem da Barbie, eles também usam personagens famosos para meninos, como o Homem-Aranha. E ainda assim os produtos das meninas continuam mais.»

Se a compra dos produtos citados pela Samantha fosse feita hoje, o shampoo para a filha sairia a R$ 9,50 enquanto o do filho custaria apenas R$ 7,90. No ano, a diferença de preço entre os produtos faria com que Samantha pudesse comprar quase três frascos de shampoo a mais para o filho.

Os brinquedos também não ficam atrás. Se Samantha fosse comprar um boneco do Mickey desembolsaria R$ 10 a mais caso resolvesse levar um boneco idêntico, só que da Minnie. Caso os filhos quisessem andar de patins, a diferença aumentaria ainda mais: enquanto um kit incluindo acessórios do desenho «Carros» sairia a R$ 269,99, o mesmo kit só que na versão «Frozen» custaria R$ 339,99.

E até mesmo se for fixado um valor para gastar, os produtos direcionados às meninas terão qualidade inferior. É o que diz a escritora Patrícia Passini, que é mãe de duas meninas pequenas e tem um afilhado.

«No caso dos brinquedos, com R$ 40 eu consigo comprar um carrinho superlegal. Mas se eu usar esse mesmo valor para uma boneca, é impossível encontrar uma com qualidade boa.»

Pesando no bolso
Embora a diferença nos preços de itens destinados ao público feminino e masculino seja maior na infância, ela continua  presente na adolescência e acompanha as mulheres na vida adulta.

Um jeans feminino, por exemplo, pode custar R$ 30 mais caro. Camisetas básicas ou estampadas para mulheres têm diferença de, no mínimo, R$ 10 – até quando são fabricadas com o mesmo material e em cores iguais às masculinas.

Em relação aos acessórios, as mulheres também desembolsam mais. Um cinto feminino, embora seja fabricado com o mesmo material que o masculino, sai por cerca de R$ 10 a mais.

No entanto, é em relação aos itens de higiene e cosméticos que mora o perigo. Culturalmente, a mulher investe mais em produtos para cuidados com rosto, pele, cabelo, etc. Segundo dados de 2013 da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos ), as brasileiras destinam uma média de R$ 150 ao setor de cosméticos todos os meses. Apesar disso, a diferença nos preços pode ser encontrada também em produtos que têm versões tanto para uso feminino quanto masculino, como barbeadores, desodorantes e até mesmo perfumes.

Segundo a pesquisadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Ione Amorim, embora essa diferenciação seja bastante comum em diferentes segmentos, ela não se justifica. O preço diferenciado seria determinado não apenas por uma questão econômica, mas mercadológica.

«É difícil para os consumidores denunciarem, pois eles não conhecem o processo de produção. No entanto, é possível comparar a composição dos produtos destinados ao público feminino ou masculino para saber se a descrição dos componentes é a mesma. Caso seja igual e o preço praticado seja diferente, é criada a prova que pode embasar uma reclamação.»

De acordo com a pesquisadora, a responsabilidade em relação às diferenças nos preços é tanto do fabricante quanto dos varejistas, pois os valores não são definidos apenas por um dos lados. «As duas partes podem ser consideradas responsáveis porque o fabricante, ao estabelecer o preço do produto, fecha um acordo com o lojista», diz.

Ione explica ainda que a prática é conhecida como «maquiagem de produto» e fere a Constituição. No caso de ser devidamente identificada pelo consumidor, uma reclamação pode ser encaminhada ao Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor).

Outro lado
As empresas citadas nesta reportagem foram procuradas para justificar a diferença nos preços entre produtos para homens e mulheres. A C&A disse que política de preços não leva em consideração o gênero, mas a modelagem e o material utilizado. A Renner também negou qualquer diferença relacionada ao gênero dos consumidores e disse que a precificação de seus produtos é influenciada pelo volume de compra, matéria-prima, negociação com fornecedor, demanda pela mercadoria etc.

A Gillette e a Rexona disseram que não impõem variação nos valores de seus produtos e ambas negaram interferir no preço praticado por seus varejistas. A RiHappy disse que a diferença de preços está relacionada ao estoque e campanhas de desconto, além de fornecedores diferentes.

Já a Sephora, procurada em relação ao produto da Calvin Klein, disse que os valores são acordados diretamente com a marca fornecedora. Procurada, a Calvin Klein não deu retorno até o fechamento desta reportagem, assim como a Biotropic.

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