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‘É mais fácil trabalhar com atores sem experiência’, diz diretora de premiado longa no sertão baiano

Divulgação

Após passar por 38 festivais em 14 países diferentes, o filme brasileiro «A Cidade do Futuro» finalmente estreia nos cinemas nacionais no próximo dia 26. O longa é o segundo dos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes, responsáveis pelo premiado «Depois da Chuva» (2013). Dessa vez, o foco é a história de um «casal de três» em pleno sertão baiano.

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Gilmar, Milla e Igor vivem em Serra do Ramalho, uma pequena cidade às margens do rio São Francisco. Os dois primeiros têm um relacionamento aberto, saindo com outras pessoas de ambos os sexos. As coisas mudam a partir do momento em que Milla fica grávida e decide formar uma família – que inclui Igor, o namorado de Gilmar.

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A história é diferente não apenas pela temática, mas também porque se trata de uma ficção baseada no cotidiano real dos atores. Os três protagonistas – assim como o resto do elenco – atuaram representando uma dramatização de si mesmos. O triângulo amoroso existe de verdade e foi ele que inspirou o longa.

«A Cidade do Futuro» recebeu o prêmio de melhor filme nos festivais de cinema de Nova York, Curitiba, Buenos Aires e no Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual. Os diretores Cláudio Marques e Marília Hughes conversaram com o Metro Jornal sobre a história e a produção do filme.

Metro: Como surgiu a ideia para o longa?
Cláudio Marques: Eu e Marília [Hughes] estávamos fazendo um documentário sobre a construção da Barragem de Sobradinho (BA) nos anos 1970, pelos militares. Quatro cidades foram inundadas e cerca de 73 mil pessoas foram deslocadas à força. A maioria foi para Serra do Ramalho, uma cidade construída para receber essa população e que ficou conhecida como «a cidade do futuro». Foi na produção do documentário que a gente acabou conhecendo Gilmar, Milla, Igor e toda uma pequena comunidade de jovens que lutam para serem considerados cidadãos de primeira classe. Eles lutam diariamente contra a homofobia, o machismo, o patriarcado na região, em diversos níveis de poder. Ficamos tão encantados com isso que decidimos fazer um filme com eles. Não sabíamos que história fazer, até que um dia recebi uma ligação de Gilmar, dizendo que Milla estava grávida e que eles formariam uma família com Igor.

Metro: As cenas das famílias deixando Sobradinho são imagens de arquivo. Elas foram pensadas somente para o filme?
Marília Hughes: Foi para o documentário. Esse, inclusive, foi o ponto de partida do doc. A gente descobriu o material pesquisando a história de uma antiga sala de cinema de Salvador, para fazer outro filme e ficamos impressionados com a quantidade de pessoas que foram obrigadas a sair de Sobradinho.

Metro: Qual o ponto de ligação entre a história de Serra do Ramalho e a dos protagonistas de «A Cidade do Futuro»?
MH: Serra do Ramalho foi uma cidade criada para retirar uma população do seu lugar de origem à força. Nenhum deles queriam sair, mas eles não tinha opção: ou recebiam uma indenização precária ou recebiam outro pedaço de terra, com uma casa, em Serra do Ramalho. Fomos fazer o documentário e conhecemos uma cidade cheia de dificuldades, mas que também era habitada por meninos com histórias incríveis e com uma atitude impressionante de se autoafirmar. Eles sempre diziam «eu não vou sair à força daqui só porque a sociedade é machista e homofóbica, eu vou ficar sim, porque meus pais saíram à força». Os motivos eram diferentes – com os pais e avós era uma questão territorial, mas com eles era como se fossem forçados a sair da cidade  por conta de suas histórias e identidades. Eles não queriam repetir a história dos pais.

Metro: Os protagonistas interpretam uma dramatização de suas histórias reais no filme. Qual a dificuldade de trabalhar com atores que estão começando a carreira no cinema?
MH: Eu gosto, acho até mais fácil trabalhar com atores que não tem essa experiência porque eles vêm com menos fórmulas, menos «vícios». Pelo menos a nossa experiência, minha e do Cláudio [Marques], tem sido muito boa. Mas obviamente não é qualquer pessoa, a gente procura pessoas que já tenham desenvoltura, capacidade de atuação e uma naturalidade para isso também. Os meninos já tinham um grupo de teatro amador na comunidade, o «Amadores da Arte» – que inclusive aparece no início do filme. É desafiador, claro, mas eu acho interessante.

Metro: Os coadjuvantes também são atores amadores?
MH: Então, a gente trabalhou com todo mundo de Serra do Ramalho. É o núcleo próximo a Igor, Milla e Gilmar. Alguns já faziam teatro, mas os outros não. Eles não tinham experiência nenhuma, eram mesmo os amigos próximos e as famílias. Fizemos uma oficina antes de iniciar as filmagens, explicando o modo de trabalhar a atuação para uma tela grande, traçamos as diferenças entre cinema e teatro e chamamos a atenção para fotografia, enquadramento, arte, figurino e som. Levamos o pessoal da equipe antes, para explicar como cada área funciona e mostramos, inclusive, o filme do Daniel Ribeiro [Hoje eu Quero Voltar Sozinho, 2014], que tinha acabado de ser lançado.

Metro: O filme mostra um Nordeste que foge do estereótipo que o eixo Rio-São Paulo está acostumado a ver. Qual a importância de colocar essa diversidade em cena?
MH: A gente sempre disse que era uma quebra do estereótipo do sertão presente no cinema – que geralmente é retratado como um lugar distante, ermo, que não se comunica – porque realmente encontramos um outro contexto. O Halloween está no filme porque ele está em Serra do Ramalho e não só porque a gente achou legal colocar no filme. Isso mostra como é realmente uma quebra do senso comum do sertão – inclusive no cinema. Não que não existam os elementos que já são batidos nas telas, mas é que o Nordeste é muito mais que isso. E era justamente o que a gente queria mostrar, ter esse olhar complexo sobre essas regiões, para não estigmatizar – inclusive encontrar por lá histórias que estamos acostumados a associar com metrópoles. Vivemos em uma época de grande fluxo de informação, então o cinema precisa acompanhar isso, senão a gente acaba gerando preconceitos.

«A Cidade do Futuro» estreia nos cinemas no próximo dia 26 em todo o país. Veja o trailer do filme:

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