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Retrospectiva 2017: o ano em que as mulheres denunciaram o assédio

Desde outubro, centenas de mulheres vieram a público denunciar abusos físicos e psicológicos por parte de grandes nomes de Hollywood. A atitude das artistas deu força para que a luta contra a violência à mulher ganhasse projeção mundial.

Muitos dos casos denunciados envolvem desde um comportamento inapropriado no ambiente de trabalho até estupro propriamente dito, sempre numa relação abusiva de poder dentro da indústria do entretenimento. Sob os holofotes estão homens poderosos, como os atores Dustin Hoffman, Casey Affleck, Kevin Spacey, o produtor Harvey Weinstein e os diretores Brett Ratner, James Toback e Lars von Trier, entre outros.

Tudo começou quando o jornal «The New York Times» publicou uma reportagem sobre denúncias de assédios sexuais praticados por Weinstein, por mais de 30 anos. Atrizes como Ashley Judd e Rose McGowan estão entre as vítimas que enfrentaram as críticas e relataram os crimes.

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Cinco dias depois, alegações sobre suas práticas com mais 13 mulheres foram publicadas também pela revista «New Yorker», inclusive com a diretora italiana Asia Argento, que denunciou que Weinstein a obrigou a fazer sexo oral.

Posteriormente, Cara Delevingne, Angelina Jolie, Lupita Nyong’o, Léa Seydoux, Lena Headey, Gwyneth Paltrow, Salma Hayek e tantas outras se declararam vítimas de Weinstein. De acordo com uma lista compilada pelas próprias vítimas, o produtor teria agredido sexualmente 82 mulheres.

Embora esse processo de moralização da indústria tenha surpreendido muitas pessoas, crimes como esses não são novidades e são praticados há décadas. Em Hollywood, o medo de sofrer represálias e ter a carreira prejudicada foram dois fatores para que esses crimes não viessem à tona antes.

«A maneira como a indústria do cinema dos Estados Unidos se construiu é completamente machista. Os produtores dos filmes, majoritariamente, são homens. E aí, é claro que uma grande parcela deles acaba utilizando de uma maneira não simpática para coagir as mulheres», disse à ANSA Piero Sbragia, crítico de cinema e professor do Fiam-Faam – Centro Universitário.

A ONG «Women in Film» aponta a ausência de diretoras e produtoras como um dos fatores que fortalecem o comportamento machista nos sets. De 866 filmes produzidos em Hollywood entre 2002 e 2016, apenas 4,1% foram comandados por mulheres, conforme estudo da Universidade Annenberg, na Califórnia.

«Mas por que só em 2017 as mulheres tiveram coragem de denunciar esses casos?» foi a pergunta que surgiu em muitos debates – e argumentos críticos- na web. «Agora que a sociedade tem escutado as mulheres, porque faz muito tempo que elas sofrem assédios, abusos. A gente tem que reconhecer que, agora, nós temos um grupo de mulheres fortes, famosas, que tem falado abertamente sobre isso», disse à ANSA a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman.

Violência constante
Segundo dados da ONU, sete em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento da vida. Elas são alvos de diversos tipos de violência, desde o assédio verbal até a morte. Muitas vezes, os crimes são justificados por questões de ordem cultural, social ou religiosa.

«É muito importante o que está acontecendo agora. Tem um valor imensurável. Primeiro, porque demonstra que a violência contra as mulheres acontece em todas as sociedades, classes sociais e religiões», explicou Gasman.

Com esta série de denúncias, a lista de mulheres influentes que já se viu em situação semelhante nas mãos dos executivos é extensa. Desta vez, os casos ganharam repercussão mundial, principalmente por todos os agressores serem pessoas públicas.

«É muito importante denunciar, principalmente, porque elas têm identificado os agressores e falado abertamente, inclusive são muito famosos, figuras públicas, políticos, escritores, atores», comentou Gasman, ressaltando que o fenômeno atual «é muito interessante, porque ao longo da luta dessas mulheres, elas tinham muito pudor para falar o nome e o sobrenome do agressor».

A atitude caracteriza a urgência de uma resposta de que a violência é crime e a pessoa precisa ser sancionada. «Eu acho que esse movimento está trazendo consequências», acrescenta.

«Desde o início de Hollywood existem casos de assédio, agressões e até casos clássicos de opressão. Isso tudo, certamente, mexeu com a indústria, mas infelizmente é comum lá», ressaltou Sbragia.

Para a representante da ONU Mulheres, o machismo é o principal responsável por de trás dos casos de abuso. «É uma manifestação do patriarcado, das gerações, do poder entre homens e mulheres. Uma ideia errônea que as mulheres são inferiores e que os homens têm direito sobre os corpos delas».

Desta forma, a violência contra mulheres é uma construção social, resultado da desigualdade de forças nas relações, que é reproduzida pela sociedade. «Isto precisa ser reconstruído através da educação, da mídia e da promoção da igualdade e respeito», acrescenta Gasman.

Desdobramentos
O que tem acontecido depois dessas denúncias é algo nunca antes registrado na história da indústria cinematográfica, e as consequências ainda estão longe de serem mensuráveis, mas revela uma mudança recente no comportamento das grandes companhias.

O cancelamento da série da Netflix “House of Cards” e a expulsão de Weinstein do Oscar são exemplos disso. Inclusive, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, responsável pela premiação, adotou um código de conduta e alertou seus membros de que se reserva o direito de expulsar qualquer um que ignore as novas regras.

“A partir do momento que você precisa criar um código de conduta para avisar as pessoas de que assédio é crime, é um sinal de alerta, justamente porque existem vários casos. E se existem, é porque, talvez, as pessoas não saibam conviver em sociedade”, explicou Sbragia à ANSA. “O principal problema do assédio é a pessoa achar que ela tem o direito sobre o outro. É importante ter o código, vai ser uma referência. É uma maneira da indústria sinalizar que está ciente”, acrescentou.

Outra transformação que o caso Weinstein trouxe à tona foi a coragem das atrizes em relatar suas vivências de abusos. Assim que os escândalos vieram a público, diversas personalidades começaram a usar as redes sociais para apoiar as denúncias ou detalhar o que viveram por meio da #Metoo.

A revista “Time” chegou a consagrar como personalidade do ano as mulheres que romperam o silêncio. “Eu acredito que é um movimento que tem tido maior visibilidade, que tem engajado mulheres de todas as partes. Isso demonstra que a violência contra a mulher não é mais aceitável e tem que ter consequências”, finaliza Gasman.

Casos de abusos no Brasil
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto YouGo, 86% das mulheres brasileiras sofreram assédio em público em suas cidades. A região centro-oeste é onde as mulheres mais sofreram assédio nas ruas, com 92% de incidência. Em seguida, está o norte (88%), nordeste e sudeste (86%) e sul (85%).

Em relação às formas de assédio sofridas em público pelas brasileiras, o assobio é o mais comum (77%), seguido por olhares insistentes (74%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%).

Metade das mulheres entrevistadas no Brasil disse que já foi seguida nas ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% disseram que homens se exibiram para elas e 8% foram estupradas em espaços públicos.

Neste ano, entre os casos de maior repercussão no país, está o de um homem que foi detido ao ejacular em uma mulher no ônibus, em São Paulo. A Justiça soltou o acusado, Diego Ferreira de Novais, pouco depois e, na semana seguinte, ele foi preso novamente ao repetir o crime.

Já no cenário do entretenimento, o ator José Mayer, da TV Globo, foi acusado de assédio sexual pela figurinista Su Tonani, de 28 anos. Ela acusou o ator de tê-la assediado por meses e ter tocado suas partes íntimas. Além de ser afastado das novelas por tempo indeterminado, o ator fez uma carta aberta pedindo desculpas.

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