Roteirista de alguns dos principais filmes pernambucanos dos últimos anos, o cineasta estreou como diretor de ficção com ‘Tatuagem’. A produção, vencedora do Kikito de melhor filme nacional do Festival de Gramado, apresenta um recorte original sobre os anos 1970 e conta uma grande história de amor vivida por dois homens de ambientes distintos.
O quanto a sua atividade como roteirista contribuiu para que “Tatuagem” fosse um filme bem resolvido em termos de direção?
Quando escrevo, gosto de imaginar como as coisas acontecem, como os personagens falam e se comportam, como são os ambientes. Também filmo assim, faz parte de um projeto de convicção narrativa. Tudo é muito bem pensado.
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A escolha da equipe e dos atores faz parte deste projeto?
Sem dúvida, isso é imprescindível. Precisa haver uma sintonia com as pessoas que trabalham comigo, como a diretora de arte Renata Pinheiro e o DJ Dolores, autor da trilha e meu amigo desde a adolescência. Uma das minhas preocupações com a produção era que a equipe fosse afinada, criativa e divertida ao mesmo tempo.
O filme é provocador e coloca em cena questões polêmicas. Como foi encontrar o tom certo?
O “Tatuagem” precisava da narrativa certa, de respiros no tempo certo para não ficar caricato. Quando fiz os testes com os atores avisei que não era um filme de pudores e que os corpos seriam acessados o tempo todo. Era fundamental que tivessem naturalidade em lidar com o corpo para não soar falso. Fizemos muitos ensaios e tivemos um período grande de convivência.
Há quem diga que o filme vai causar polêmica…
Mas não existe escândalo no filme! Talvez o que incomode sejam as relações afetivas, este envolvimento de dois mundos tão diferentes, a maneira como estas relações são colocadas narrativamente. Mas isto é cinema! Um dos elementos do filme é a defesa da liberdade e o espectador precisa ser seduzido por isso.
“Tatuagem” também se destaca pela colagem de referências aos anos 1970. Como você chegou a isso?
As referências não são exatamente as minhas, prefiro dizer que são memórias de um tempo. Eu tinha 13 anos em 1978 e acho interessante que, para os mais jovens, é um tempo muito distante. Tanto que um jovem ator me perguntou como ouvíamos David Bowie nos anos 1970 (risos). Me interessa mostrar como a gente congela o tempo, às vezes meio errado….
A ideia do filme era esta desde o início?
O tempo deste projeto é longo, vinha trabalhando nele havia oito anos. Eu queria mesmo pensar os anos 1970 e minha primeira ideia era fazer um documentário sobre o professor Joubert, um agitador cultural daquela época em Recife. Um amigo me sugeriu trabalhar com o teatro de vivência e acabei optando pela ficção, por esta história que aproxima dois universos – o teatro e o Exército – que têm uma concentração de poder. O Clécio [personagem de Irandhir Santos] seduz as pessoas, elas fazem o que ele quer no ambiente do Chão de Estrelas. Entre os milicos, a ordem existe por causa do poder.
Pernambuco tem uma cena cinematográfica ousada e criativa. Qual é o segredo de vocês?
Em Recife há vários grupos que fazem cinema. Nem todos se amam, mas todos trabalham juntos e se ajudam quando é necessário (risos). Também nos falta caretice (mais risos) e sobra capacidade de discussão. Posso citar como exemplo “Doméstica” [do jovem realizador Gabriel Mascaro] e “A Febre do Rato” [do polêmico Claudio Assis], que são dois filmes recentes e com propostas bem diferentes. Mas ambos são bem construídos e nenhum deles te deixa passivo. O cinema precisa provocar, tirar as pessoas do lugar comum.
Mas em que momento esta cena se firmou?
Acho que o movimento do Mangue Beat [manifestação musical nos anos 1990, liderado por Chico Science] teve uma visibilidade tão grande que sacudiu também o cinema. Ninguém esperava que Pernambuco criasse algo tão impactante.