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Até breve, amigo

Há um mês recebi um zap de um amigo, na verdade, um irmão, destes que você passa horas discutindo desde de filosofia até futebol. Era uma carta de despedida.

Amante das artes, foi até cartunista da Cultura. Conheci poucos com tanto conhecimento como ele. Era divertido e parceiro para todas as horas, ruins e boas, festivas ou tristes. Profundamente triste é como estou.

Nunca fui mesmo muito alegre nem chegado a otimismo – ou destes caras para cima. Sempre fui assim, mesmo nos tempos de criança (a maioria das crianças é feliz, eu nunca fui). Mas estes dias estou pior. Imagino a onda de lágrimas no Brasil pelas mortes causadas pelo vírus e choro por almas que se foram e pelas suas famílias, choro por gente que nunca conheci aqui e no mundo inteiro, e rezo por elas.

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Mas, quando a morte bate à sua porta… Faz pouco tempo perdi minha querida sogra dona Alzira. Minha mulher perdeu a alegria de viver com a morte da mãe e finge ser feliz para que eu seja também. Sou grato ao amor da minha vida por isso, mas sofro escondido (até agora) também.

Foi-se um companheiro de copo e coração, a gente já não bebia como antes faz muito tempo, mas as histórias ficam. Mortão era o jeito que ele me chamava, ironicamente, com um sorriso largo numa boca que de tão grande parecia que tinha mais dentes numa janela de alegria. De vez em sempre, soltava frases sábias: “Datenão, nunca peça desculpas”.

Pois é, irmão, mas hoje eu peço desculpas a você por termos nos afastado por uns tempos. Se eu soubesse que você iria tão cedo teria te encontrado mais, teríamos falado mais e, como diria a música, teríamos nos amado mais com o mesmo amor que dedico a minha família.

Lembra quando minha família viajou e nós passamos noites intermináveis no Tiro-Liro nos morros da Pompeia, o bar do Toninho, onde deve ter até hoje uma coluna que escrevíamos a quatro mãos no Diário de São Paulo num quadrinho na parede. Nossa última aventura foi literalmente nosso último voo.

Foi de helicóptero da Marinha, contornando o Cristo Redentor e margeando o litoral norte do Rio até a base de São Pedro da Aldeia, onde voei em caça supersônico. Nunca teria coragem se não fosse você. Mesmo depois de paramentado com roupa pressurizada e capacete na mão, te chamei de canto e falei: “Não vou nesta bagaça”. O aperto no braço e a voz firme me colocaram num caça a mais de mil quilômetros por hora: «Vai sim, Datenão».

E eu voei, como você voa agora, irmão, amigo, ARI BORGES. Até breve.


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