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A culpa não é da chuva

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Ano após ano, nos acostumamos a passar o verão vendo cenários de horror e caos nas cidades brasileiras. Pessoas que morrem nas enxurradas e nos deslizamentos de terra, casas destruídas, carros que boiam, árvores que tombam, inundações que são vistas pela maioria como um problema causado estritamente pela chuva.

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Só que não, a culpa não é da chuva. O aumento do volume da chuva é previsto por pesquisadores, climatologistas e cientistas há tempos. As mudanças climáticas são uma realidade, e a tendência é de que esses eventos se tornem cada vez mais extremos e constantes.

A culpa é de todos nós. Dos gestores públicos, que sempre desprezaram a saúde e o bem-estar da população. Do nosso modelo histórico e caótico de urbanização, que destrói o verde, impermeabiliza o solo e permite ocupações irregulares e inseguras nas áreas de mananciais. Da nossa cultura, ancorada desde sempre no carro individual. Da falta de investimentos no transporte coletivo. Da marca da individualidade, que nos faz seguir sozinhos em nossos carros, sem pensar em compartilhar a carona no trabalho, no condomínio, com os vizinhos. Da ideia de que andar de ônibus no exterior é legal, mas no Brasil não.

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As enchentes e a mobilidade urbana podem parecer, à primeira vista, dois problemas distintos. Mas elas estão intimamente ligadas. Desde o início do século passado, as cidades brasileiras foram amoldadas e transformadas para que a locomoção de pessoas e cargas fosse efetuada majoritariamente pelo modal rodoviário.

Avenidas ocuparam as margens dos rios ou então foram construídas em cima de rios sufocados e canalizados. Com o solo cada vez mais impermeabilizado, a água não tem como escoar nem ser absorvida. E quando chove um pouco acima da média, o que será cada vez mais frequente, os rios sufocados por toda sorte de lixo e entulho vomitam suas águas como se estivessem pedindo socorro à população e aos gestores públicos.

Jamais as áreas de várzeas dos rios deveriam ter sido ocupadas. Porém, já o foram, e agora a solução tornou-se muito mais onerosa.

Caso a postura da sociedade siga na mesma trajetória, podemos esperar caos e tragédias cada vez maiores. E dessa forma teremos uma mobilidade cada vez mais afogada e arrastada pelas enchentes no futuro próximo.

Mas ainda dá tempo de mudar a rota. Porém, é necessário que haja vontade política para investir significativamente no transporte sobre trilhos e na mobilidade ativa (com ciclovias e calçadas decentes) e a cobrança da sociedade para que o código de construção civil e de ocupação do solo seja refeito e modernizado, respeitando a proteção ambiental.

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