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Tático ou motivador?

No Brasil é bastante comum separar os treinadores entre “motivadores” ou “táticos”. O atual trabalho da comissão técnica do Liverpool serve para escancarar como essas qualidades, no fundo, podem e devem se entrelaçar, se confundir. No livro “Klopp”, de Raphael Honigstein, publicado no nosso país pela “Grande Área”, presenciamos testemunhos entusiasmados sobre o carisma, o magnetismo, a capacidade de mobilizar do alemão. Concomitantemente a toda essa exaltação, a toda construção de uma aura de líder nato, as reflexões estratégicas aparecem quase de forma orgânica. Fala-se amplamente do Gegenpressing – palavra mais importante para compreendermos a filosofia de Klopp, e se refere ao que se tem designado por aqui pela expressão “perde e pressiona”; nunca, entretanto, como um conceito vazio, como se os jogadores fossem máquinas que automaticamente executam ordens. “A introdução imediata da pressão e do Gegenpressing precisou, na realidade, de um comprometimento coletivo sólido. ‘É um acordo que o time faz consigo mesmo’”, lemos na página 125.

Van Dijk, provavelmente o segundo melhor jogador do mundo na temporada – atrás apenas de Messi –, em entrevista concedida em Maio para a “FourFourTwo”, destaca sobre o chefe: “Ele é um grande treinador de ‘pessoas’, ele realmente sabe como ‘afetar’ seus jogadores, entende? É difícil achar as palavras certas para descrevê-lo – ele realmente sabe quando trabalhar individualmente com alguém e quando falar para um indivíduo as coisas corretas, no momento certo”.     

O domínio que Klopp apresenta da língua inglesa fica evidenciado em suas entrevistas. Neste aspecto, ele se posiciona completamente acima da média dos treinadores de ponta estrangeiros que já passaram – ou ainda se encontram – na terra da rainha. Há algo da cultura alemã, da similaridade entre os idiomas que talvez precise entrar no contexto. Conte e Sarri até se viram razoavelmente bem nesta seara, apesar do sotaque italiano fortíssimo, bem típico. Mesmo colocando tudo na mesa, porém, não cabe deixar de ressaltar os méritos de Klopp neste campo, de perceber como nele o alemão se prova superior, por exemplo, a estes dois mencionados. Devorando a obra de Honigstein fiquei impressionado como o domínio da língua de Shakespeare sempre pareceu uma questão para Klopp. O grau de perfeccionismo, de autocrítica. No livro revela-se a hesitação dele para aceitar o cargo nos Reds por achar que seu inglês não era suficientemente bom. Para quem acompanha suas entrevistas desde o início no Liverpool chega a ser surpreendente, ao menos um interessante sintoma de zelo, cuidado com a própria profissão, nos depararmos com uma informação dessas. E a inquietação com a habilidade para se expressar no idioma do país no qual poderia trabalhar, conforme atesta a pesquisa de Honigstein, é, acima de tudo, motivada pela preocupação em como chegar aos seus atletas, em como “passar o recado” nos mínimos detalhes. Também nisso, a gestão de pessoas revela-se prioridade…

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