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Cegueira insuportável

De acordo com os mais consagrados estudiosos no planeta, a maior virada histórica promovida por Schopenhauer no mundo da filosofia se encontra na forma como ele tirou a razão de determinado pedestal. O alemão nos enxergava, acima de tudo, como seres guiados pela Vontade. Neste contexto, o intelecto não passava de coadjuvante. Pior: uma espécie de joguete do nosso âmago, dos nossos recônditos desejos. Se ele tivesse vivido para conhecer nosso futebol e a era das redes sociais…

O esporte bretão, talvez justamente por ser tão impregnado de certo primitivismo, peculiar cegueira nas reações, acaba percebido com preconceito, em geral, por intelectuais. O lado mercantilista da coisa, dos principais personagens, aliado à falta de “utilidade”, de um ganho concreto justamente por parte de quem com ele tanto se importa, também fortalece esse discurso. Mas gostar, se informar, entender de futebol em graus importantes, e examinar as reações advindas em nome dele, é um prato cheio para teses acerca da psicologia do homem médio. O que ganha eleições – votando normalmente em um oportunista qualquer, de “direita” ou “esquerda”, tanto faz. O contorcionismo retórico para interpretar situações não como elas são, e sim em função das conveniências amparadas em sentimentos malucos, tão onipresente nas “resenhas” nos bares e no porco “debate” das redes sociais, é prova das mais irretocáveis e concebíveis para alguns dos eixos do schopenhauerianismo. “Como vencer um debate sem ter razão?”, sem o menor zelo pela honestidade intelectual? Ouvir discussões de boa parte dos torcedores, jornalistas, dirigentes, é aula magna para isso.   

Pode parecer que não, mas a cultura no nosso país de que o clube do coração há de vencer a qualquer preço; a separação tão burra quanto onipresente entre o jogar “bonito”, “bem”, e o atuar “pragmático” – como machucam a palavra –, eficiente; a tolerância/exaltação da malandragem, de quem, no grito, sabe se impor; a pressão oriunda do fanatismo, da importância que se dá ao esporte apenas com o fígado, uma projeção – o “meu” time precisa ganhar – criam o caldo necessário para a pobreza do jogo, em si, prosperar. Amo assistir futebol. Curtir as partidas. De um jeito, em certa medida, com franjas do que Schopenhauer chamaria de “fruir desinteressado”. E para quem carrega consigo esse tipo de relação com o jogo, a qualidade das ideias, das performances, a preocupação dos seus protagonistas de nele injetar evoluções e ambição nas estratégias, não desprezando os anseios de entreter, divertir, fazer arte, são fatores essenciais. Só que como a maioria liga-se apenas na representação demarcada pelo placar final, para regozijar, expurgar demônios arcaicos do nosso falho organismo, esse tipo de abordagem acaba ficando, sei lá, hipster, indie, alternativa demais. Os cartolas, normalmente populistas e aterrorizados pela pressão de uma maioria, digamos, mais simplória e imediatista das redes sociais, na ânsia por todos agradar, e sem conhecimentos técnicos dignos do nome, sucumbem à opinião alheia; entram no carrossel de bipolaridade, irracionalidade que predomina nos debates real e virtual. Sem qualquer preocupação com o jogo, o produto. O que vale é o amanhã. É sobreviver na próxima pesquisa de opinião. Tudo isso se entrelaça com o futebol paupérrimo que vimos nas finais dos principais estaduais.

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