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Jesus Crispr nasceu na China?

Imagino aquela tribo em plena revolução neolítica reunida em círculo num caloroso debate: só porque descobriram ser possível provocar fogo através da fricção – ou seja lá como chamaram isso à época –, mantê-lo sob controle e se beneficiar dele, deveriam mesmo fazer isso? Não seria uma provocação aos deuses? Ou, segundo o prudente ancião de uns 30 anos, a tentativa de usufruir desta força a porta para a autodestruição? Ou, ainda: tal excesso de poder em mãos erradas a não terminará em tirania? Enquanto isso, outros neandertais menos afeitos ao debate ético, político e religioso iluminavam a temível noite e trocavam ideias numa nascente boemia, petiscando carne assada.

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Agora imagino aquele cronista distante milhares de anos à frente – no sonho quase romântico de que existirão cronistas no futuro –, iniciando um texto sobre nosso momento, e o drama instalado pelo anúncio da manipulação genética de humanos. Talvez, eis aqui uma hipótese bem hipotética, ele comente estarem alguns bem preocupados em reles cientistas brincarem de Deus; outros em o ser humano estar no início de sua autodestruição; terceiros temerosos do que isso possa gerar em termos de controle e tirania. Enquanto isso, observo em minha imaginação, o articulista vindouro – ele mesmo – é fruto de recortes pós-crispr em seu DNA (sendo a técnica crispr, no futuro, tipo fricção de gravetos para o fogo, hoje). Tranquilamente.

Onde quero chegar com estes dois ficcionais cenários? No simples fato de que, do período Neandertal para cá, todo salto tecnológico ou de controle sobre a natureza foi visto como excessivo por uns, extraordinário por outros. Agora, como antes e depois, catastrofistas dirão que um castigo virá dos céus, ingênuos imaginarão o fim de nossos problemas. E ambos estarão absolutamente errados. Dominar o fogo, os metais, voar, ir para outros planetas, mandar um WhatsApp avisando que estamos atrasados, nada disso nos salvou ou condenou. Só deu uma mudada nos negócios.

O chinês He Jiankui será um novo profeta? Duvido. Sequer sei se ele conseguirá estampar o nome na História – Padre Landell de Moura está aí para reforçar a tese de que nem sempre os primeiros são assim lembrados. Com as informações até o momento, só dá para afirmar que ele apenas fez algo possível utilizando um recurso já dominado fora da genética humana – ou alguém nega a revolução científica nesta área? Enfim, dá para imaginar muitos benefícios advindos desta nova chama, ainda que outros problemas venham a nos afligir. Crispr não seja crucificado.

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