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Depois do Carnaval

A memória ainda mantém nítida a lembrança dos tempos pós-carnaval da infância.

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O retorno à casa depois de dois ou três meses de férias de verão quando a grade escolar não era tão puxada, listas de materiais e papelarias lotadas, a ânsia de chegar ao primeiro dia de aulas e ver quem estava na nossa turma, uniformes escolares com cheiro de loja. Crianças ainda, trazíamos do verão e das férias cicatrizes das peladas nas ruas de chão (porque dinheiro para calçamento era curto e não dava para a obra e para os desvios), das quedas de bicicleta em pracinhas simples (sem equipamentos milionários para ninguém usar), os ombros e o nariz ainda descascados (culpa de um sol que naquela época apenas fazia bem).

As histórias contadas nos recreios traziam notícias dos peixes pescados, das aventuras nos terrenos baldios, dos piqueniques instantâneos feitos à base de sanduíche de pão com mortadela apolítica e Ki-Suco, convocados aos berros nas janelas e quintais, já que, miseráveis que éramos, não tínhamos celulares. Compartilhávamos as experiências de viagens de acampamento, em praias longínquas, muito além de Nova Almeida, em viagens de carro com direito às indefectíveis perguntas “quanto tempo falta?” e “a gente tá onde?”, comuns às crianças sem Google ou GPS no smartphone de última geração.

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Nossos “outlets” eram as vendinhas de esquina, onde anzóis, chicletes, picolés e bombinhas faziam as vezes das atuais camisas polo de “marca” feitas em Bangladesh a um dólar, bugigangas utilíssimas com lâmpadas de LED que avisam se um urso polar se aproximar de nós ou cozinham ovos na metade do tempo. As batucadas e os blocos ficavam circunscritos às praças públicas e às ruas em volta, e as brincadeiras mais ousadas eram jogar confetes uns nos outros ou mexer com algum desconhecido vestido de mulher. E correr. Um ou outro atalhava contando um triste caso de um conhecido que sofrera um acidente na estrada indo de um carnaval a outro na mesma noite. Imagine se o cara precisava sair daqui para ir lá longe, exclamávamos!

Não me recordo de relatos de brigas de gangues armadas de fuzil, tampouco de discussões sobre preferências sexuais ou políticas de nenhum integrante de escola de samba, ou se o enredo tal era inspirado no governo atual ou passado, ou se em ambos. O que me lembro é que o carnaval começava e terminava em cinco dias, sem lavagem disso, ressaca daquilo outro ou qualquer movimento desesperado visando prolongar a alegria, como nesses combos de hoje em dia. Também lembro das músicas de então. Não falavam em tiro nem mandavam alguém balançar a bunda vinte e cinco vezes só no refrão.

Éramos crianças. Não sei se mais felizes do que as de hoje. Mais livres, com certeza.

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