A ofensiva do governo federal em veicular peças publicitárias favoráveis à Reforma da Previdência têm gerado questionamentos sobre se o Estado pode usar verba pública para convencer a opinião pública, se deveria se restringir a informar e qual é o limite entre uma coisa e outra. A proposta deve ser votada até o fim de fevereiro. Mas antes do embate no Congresso, o governo terá que enfrentar um escrutínio sobre uma dessas propagandas de rádio no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
A peça em questão foi veiculada em dezembro, durante a transmissão do Jornal da Manhã da rádio Jovem Pan FM, de São Paulo. O Conar questiona se o caráter publicitário do material foi suficientemente destacado, uma vez que foi veiculado em meio a um programa jornalístico. O conselho afirma que o que está em questão é um aspecto técnico, e não o conteúdo da peça.
Como partes do processo estão a agência publicitária responsável pela propaganda e a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. O julgamento pode entrar na pauta do Conselho de Ética do Conar ainda este mês.
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O material é iniciado pelo locutor com um aviso de "Informe publicitário", mas prossegue sem qualquer menção à autoria. Diz o profissional:
"Muitos estão dizendo que a Reforma da Previdência prejudica os mais pobres, mas não é verdade. Não vai mudar nada para 5,8 milhões de trabalhadores rurais do regime de economia familiar já aposentados e também para os que venham a se aposentar."
E conclui: "Então, gente, como eu acabei de mostrar, a Reforma da Previdência propõe mudanças somente para quem ganha mais e não muda para quem ganha menos".
Em nota, a Secom destaca que o locutor menciona o termo "informe publicitário" e diz que que "não se verifica prejuízo ao ouvinte quanto à ausência expressa da autoria do governo federal na publicidade".
"O texto veiculado, por si só, demonstra a autoria de seu conteúdo, sendo auto-apresentável ou, em outros termos, identificando-se por si mesmo", disse a secretaria.
"Na medida em que apenas o governo federal pode fazer a reforma da Previdência, não há como o ouvinte confundir a mensagem como sendo conteúdo editorial do veículo, uma vez que este não detém a prerrogativa de reformar a previdência."
Os trabalhadores rurais, citados na propaganda, teriam o regime de aposentadoria alterado segundo as propostas iniciais do governo para a reforma da Previdência. Mas, diante das dificuldades na articulação do projeto, houve um recuo e agora o Planalto afirma – inclusive em comunicados oficiais – que o regime para estes trabalhadores não passará por mudanças.
O Conar é uma organização sem fins lucrativos que, como indica o nome, promove a autorregulação da publicidade.
Pessoas comuns ou o próprio conselho podem apresentar denúncias contra campanhas que, caso acatadas, geram processos a serem julgados pelo Conselho de Ética com base no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
A partir daí, o conselho pode fazer recomendações que vão de alterações na campanha à sua suspensão – mas tal decisão não tem caráter judicial e impositivo, sendo normalmente acatada voluntariamente por anunciantes e veículos.
Ofensiva publicitária
Pauta cara ao governo Temer, a proposta de Reforma da Previdência tem gerado diversas campanhas publicitárias na internet, TV, rádio e meios impressos. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a gestão desembolsou R$ 103,5 milhões com propagandas referentes à reforma em 2017- mais de um terço do total gasto pela Secom naquele ano.
Nessa cruzada, o governo chegou a buscar uma "parceria" com o Google para amplificar o alcance de materiais sobre a reforma – o que causou polêmica nas redes sociais.
Mas, ainda em 2017, a ofensiva encontrou obstáculos na Justiça. Em março, a juíza Marciane Bonzanini determinou a suspensão de publicidade referente à reforma; em novembro, o mesmo foi decidido pela juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho. Posteriormente, as decisões foram revertidas em instâncias superiores.
Já em dezembro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a destinação suplementar de R$ 99 milhões para a comunicação institucional sobre a reforma. Segundo ela, a Constituição prevê um caráter educativo e de orientação social para a publicidade oficial.
"A publicidade em favor de uma medida notoriamente controvertida é substancialmente distinta de uma publicidade em favor da conscientização da população sobre a necessidade de cuidados, por exemplo, para evitar a proliferação do mosquito da dengue", argumentou a procuradora-geral da República na ação.
"Neste caso, há consenso em que a saúde pública se beneficia das medidas propugnadas. No caso da Reforma da Previdência, esse consenso não existe – por isso mesmo não se pode verter recursos públicos exclusivamente para favorecer um dos polos da controvérsia."
A AGU pede o arquivamento da ação e, em manifestação enviada ao STF, diz que "o crédito orçamentário em exame não teve sua destinação vinculada, de modo específico e exclusivo, ao financiamento de publicidade sobre a pretendida reforma no sistema previdenciário".
"Diversamente do que se afirma, a norma hostilizada na presente ação circunscreve-se a abrir crédito suplementar para reforçar dotação orçamentária anterior, destinada à comunicação institucional da Presidência da República", disse a advogada-geral da União, Grace Mendonça no documento.
"A campanha publicitária se destina tão somente a divulgar para a sociedade, em linguagem acessível ao público em geral, o alcance e os aspectos essenciais da alteração constitucional defendida pelo governo federal como política pública prioritária em sua gestão, com a finalidade de prestar esclarecimento sobre seus possíveis impactos sobre a população e fomentar o debate público sobre tema de relevância para toda a sociedade."
O órgão afirma ainda que os dados utilizados na campanha são oficiais de pareceres técnicos da equipe econômica. Estudos do governo apontam haver um déficit no orçamento da seguridade social de R$ 149,7 bilhões em 2016. "É dever da União demonstrar à população a necessidade de mudança do sistema previdenciário, diante da possibilidade concreta de ausência de recursos para fazer frente ao pagamento de aposentadorias."
A pauta ainda não foi a julgamento no STF.