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“Lula continua elegível, até que TSE diga o contrário”, afirma ex-ministro do STJ e TSE

O jurista Gilson Dipp afirma que ainda é cedo para dizer que Lula não poderá concorrer, à luz do resultado do julgamento do TRF-4 desta quarta-feira.

A condenação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), nesta quarta-feira, não representa o fim da candidatura do petista à Presidência da República nas eleições deste ano, segundo afirma o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilson Dipp, em entrevista para a BBC Brasil.

«Por enquanto, não há nada em matéria eleitoral. Até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diga que Lula não é elegível, Lula continua elegível», diz Dipp, que já foi presidente do TRF-4.

Os três desembargadores do TRF-4 foram unânimes em dizer que Lula cometeu crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e concordaram que a pena do petista deveria ser aumentada para 12 anos e um mês – a pena estabelecida por Sérgio Moro em julho foi de nove anos e meio.

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O fato de não haver qualquer divergência entre os magistrados não era esperado pelos petistas. Do ponto de vista jurídico, isso diminui as possibilidades de recursos. Com uma condenação em segunda instância, em tese, Lula se enquadraria como «ficha suja» e poderia ter a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, que ele mesmo sancionou em 2010.

No entanto, de acordo com Dipp, é cedo para dizer que Lula não poderá concorrer à luz do resultado do julgamento de hoje.

«Quem vai dizer se Lula é ou não inelegível é o TSE, por mais que a sentença condenatória preveja a suspensão de direitos políticos. Matéria eleitoral sempre vai para o crivo do TSE. É claro que o TSE não pode deixar de examinar o que foi dito na sentença penal. Mas, no TSE, o juízo é outro», afirma Dipp.

O jurista acredita que a disputa no TSE pode ser diferente daquela vista no TRF-4, porque o tribunal é menos «ortodoxo», havendo mais espaço para interpretação em relação à condição de Lula – inclusive, para a atuação da defesa do ex-presidente.

Como exemplo, Dipp afirma que há «vários prefeitos em exercício do mandato, com condenação penal e que conseguiram medidas cautelares com efeito suspensivo no TSE e estão em exercício da função. Existem vários casos concretos em que isso está acontecendo».

Dipp acredita ainda que o TSE deve dar prioridade ao caso de Lula, devido à importância do tema – assim como ocorreu com o TRF-4, que julgou o caso apenas seis meses depois da sentença em primeira instância. «É adequado que seja assim», diz o jurista.

Condenação sem ato de ofício

Dipp discorda ainda de uma das premissas assumidas pelos três desembargadores para confirmar a condenação de Lula na Lava Jato: a de que não seria necessário um ato de ofício (oferecimento de uma vantagem) que beneficiasse a empreiteira OAS como contrapartida pelo tríplex.

Nesse aspecto, os três desembargadores do TRF-4 seguiram a sentença de Sergio Moro, de julho: «Uma empresa não pode realizar pagamentos a agentes públicos, quer ela tenha ou não presente uma contrapartida específica naquele momento. (…) Basta, para a configuração (de corrupção), que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo (ocupado pelo agente público), ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam», sentenciou Moro.

A tese é uma das mais criticadas pela defesa de Lula.

Segundo Dipp, o entendimento de que não é preciso comprovar a existência de um ato de ofício específico para configurar corrupção tem sido aplicado em outras sentenças, mas foi usado mais intensamente no processo do tríplex do Guarujá.

«Pelo conjunto das provas, o tribunal entendeu que havia ato de ofício. Foi uma interpretação discutível. Eu acho que não está comprovado o ato de ofício e não teria essa liberdade de interpretação como fez o TRF-4», diz.

«Não há uma prova absolutamente concreta ou direta em relação ao pretenso ato ilícito praticado pelo Lula. Não tem uma mala de R$ 51 milhões na frente do processo», afirma, em referência ao dinheiro apreendido em malas e caixas em um apartamento em Salvador, atribuído ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), atualmente preso.

Para Dipp, também na questão da posse do tríplex, os desembargadores levaram em consideração «uma série de indícios e provas indiretas». Como exemplo, cita o fato de o ex-presidente jamais ter passado uma noite no apartamento. «Se Lula e Marisa tivessem passado uma semana lá, a posse seria muito mais concreta. Mas isso não ocorreu. Não há posse física do imóvel», diz.

Elogios a Moro

Apesar de suas discordâncias em relação à decisão dos desembargadores do TRF-4, Dipp afirma que a argumentação do colegiado é possível, conforme o texto da lei, e que tem coerência técnica, dentro da linha interpretativa adotada por eles.

Ele explica ainda que, embora Lula possa recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), as instâncias superiores não irão reanalisar fatos e provas, mas sim se houve má aplicação do Direito. Por isso, a tendência é que o entendimento dado pelas primeira e segunda instâncias sobre as provas contra Lula no tríplex prevaleça.

Dipp comentou ainda o tom de desagravo que alguns dos votos dos desembargadores tomaram em relação ao juiz Sergio Moro. Em dados momentos, foram feitos elogios deliberados. O desembargador Victor Laus, por exemplo, afirmou que o juiz federal é «talentoso, corajoso e brilhante».

Para o ex-presidente do TRF-4, o rito do tribunal e a polarização política em torno do assunto não recomendam esse tipo de comportamento dos desembargadores. «Não invalida a decisão, mas não é indicado. Não se deve fazer elogios».

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