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De “mercado eufórico” a “democracia ameaçada”, as visões de analistas estrangeiros sobre o caso Lula

Mercado reagiu com euforia, mas analistas salientam os riscos e complexidades da decisão de manter condenação e aumentar pena do ex-presidente.

Os analistas estrangeiros estão divididos em relação ao veredito que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Para alguns especialistas consultados pela BBC Brasil, a decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e os possíveis desdobramentos do julgamento em ano eleitoral podem representar um indicativo positivo para investidores internacionais. Já outros analistas veem no imbróglio eleitoral trazido pela condenação um risco para a qualidade da democracia brasileira.

Há ainda aqueles que não veem beneficiados claros num curto prazo, e outros que não descartem até mesmo chances, ainda que difíceis de prever, de protestos violentos nas ruas.

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O cientista político britânico Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute na universidade King’s College London, alerta para os riscos do que chama de "impasse" no eleitorado, que ficaria ainda mais dividido pela decisão unânime dos três desembargadores do TRF-4 de manter a condenação e aumentar a sentença de Lula.

"É difícil de imaginar um cenário que termine bem para a democracia, em termos de consenso sobre as regras do jogo. É perigoso ter uma parte do eleitorado que sente que, se Lula não puder concorrer por conta do Judiciário, a democracia foi violada; e uma outra parte acreditando que o Estado de Direito foi violado (caso se permita que um condenado em segunda instância dispute a eleição)", avalia Pereira.

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"Você tem um impasse. É uma receita para uma eleição incerta e um resultado que talvez não seja aceito por todo eleitorado. Não há só falta de consenso sobre políticas públicas, mas também sobre as regras do jogo, e isso é sempre perigoso numa democracia", completa.

Já o professor de estudos brasileiros Edmund Amann, da Universidade de Leiden, na Holanda, acredita que "ainda é cedo para falar que a democracia brasileira esteja ameaçada". "É um momento de muita incerteza e o veredito potencialmente pode tirar Lula da eleição. Mas não é o fim da linha para ele, que, mesmo fora das urnas, pode continuar participando da campanha e organizando eventos", avalia o professor, que diz ter se surpreendido com a decisão do TRF-4 em aumentar a pena de Lula, mas não com a manutenção da condenação.

Amann não descarta o risco de protestos violentos e conflitos sociais a depender do que aconteça com Lula daqui para frente. "O perigo é se os eleitores desistirem da democracia. Mas não dá para saber se as pessoas vão para as ruas, se haverá protestos violentos", pondera o pesquisador.

Reação do mercado

Amann, que é economista, observa ainda que num curto prazo, a economia brasileira não deve ser impactada de forma profunda.

"Menos por questões domésticas, como a turbulência política, mas mais porque a economia global vai bem no momento", diz, emendando que a reação imediata do mercado de ações depois do julgamento era algo previsível.

Os mercados de ações foram os primeiros a refletir, na prática, a manutenção da condenação em segunda instância do ex-presidente. O dia do grande revés de Lula teve efeito oposto em Wall Street, onde acionistas da Petrobras na bolsa de Nova York viram seus papéis encerrarem o pregão com alta surpreendente (8,63%), atingindo o maior valor desde outubro de 2014 – fim do primeiro governo de Dilma Rousseff.

A euforia imediata do mercado está relacionada ao fato de Lula ser visto como um nome naturalmente contrário a certas reformas ou medidas que agradam investidores internacionais, na avaliação do professor. "Se ele não for candidato, investidores apostam na eleição de alguém mais pró-mercado", diz Amann.

Para Kenneth Rapoza, especialista em finanças da revista Forbes, o mercado ainda se lembra "dos bons tempos de Lula no início dos anos 2000", mas o cenário mudou.

"É realmente péssimo de dizer que o mercado está comemorando uma sentença de prisão contra Lula. Mas é assim que acontece às vezes. O mercado está torcendo pela probabilidade de Lula não correr", afirmou.

A agência de risco Moody’s, por exemplo, informou à BBC Brasil, por meio de nota, que o julgamento do ex-presidente Lula "não tem implicações de crédito imediato".

"Em nossa opinião, a corrida presidencial está apenas começando e é muito cedo para avaliar possíveis cenários para as eleições. O que é mais relevante para a classificação de crédito do Brasil é a questão de saber se o programa de reformas destinadas a aliviar as pressões fiscais e reverter a trajetória da dívida continuará. O foco nos desenvolvimentos políticos antes das eleições no final deste ano torna essas reformas altamente improváveis ​​em 2018. "

Vencedores

Já o brasilianista Mark Langevin acredita que a decisão contra Lula não traz vencedores claros no curto prazo, mesmo sendo comemorada por antilulistas. Langevin é professor na Universidade George Washington, nos EUA, instituição em que dirige um programa sobre o Brasil.

Para o professor, o caso coloca o Poder Judiciário sob escrutínio, ao mesmo tempo em que não deixa claro quem se beneficiará do espólio de Lula caso ele fique, de fato, inelegível para o pleito presidencial de outubro.

"Foi um dia ruim para todo o mundo. Todos os lados (da disputa ideológica) devem encarar o resultado de hoje (quarta-feira) com sobriedade, porque não foi um grande caso (judicial)", opina Langevin.

O brasilianista avalia que o fato de os três desembargadores do TRF-4 que julgaram o caso em segunda instância terem votado unanimemente pela condenação e pelo aumento de pena de Lula causa "estranheza" e "cria uma nuvem sobre o processo".

Impressões internacionais

Questionado sobre a imagem do Brasil se tornar melhor ou pior com a decisão do TRF-4, Langevin opina que o que se destaca na decisão, de um ponto de vista estrangeiro, é a necessidade de reformas em todos os Poderes no Brasil.

"Todos querem que o Brasil seja bem-sucedido, mas querem as reformas necessárias – e não só fiscal e previdenciária, mas política, que permita a eleição de políticos responsáveis, e não apenas dos que têm acesso (a financiamento)", diz o brasilianista.

"O Brasil precisa de legitimidade em todos os Poderes e têm tido dificuldades com isso", agrega, citando a ampla quantidade de parlamentares sob investigação no Legislativo e "problemas" no Judiciário: "Os juízes não têm sido cuidadosos em manter distância dos holofotes e em seguir o devido processo legal", acredita Langevin.

Já Edmund Amann salienta que o caso de Lula, sozinho, dá, à primeira vista, a impressão ao exterior de que as instituições brasileiras estão funcionando. Mas ele pondera que uma análise mais detalhada mostra que a velocidade das investigações e julgamentos varia a depender do alvo, em especial se forem políticos com foro privilegiado e que, por isso, são julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

Para Amann, essa é uma das maiores crises políticas desde a redemocratização porque as acusações pesam sobre "peixes grandes" da política de diferentes partidos. "Só o tempo dirá se é algo maior que a crise dos anos 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o comando do Brasil, ou dos anos 1960 quando os militares tomaram o poder. Mas já é algo grande", completa o pesquisador.

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