BBC Mundo

“Nunca saberei se meu pai era um pedófilo”

Michael Duff foi apontado como predador sexual infantil por ‘caçadores de pedófilos’ nas redes sociais – e se suicidou alguns dias depois.

Pelo menos oito homens se mataram no Reino Unido após serem apontados como predadores sexuais infantis por "caçadores de pedófilos" nas redes sociais, informou o programa da jornalista Victoria Derbyshire, da BBC.

Um deles foi Michael Duff. Pela primeira vez, sua filha Lesley fala sobre o trauma gerado pelas denúncias contra o pai no Facebook.

"Eu amava muito ele. Era um humorista nato."

Recomendados

  1. Como falar sobre abuso sexual com as crianças
  2. A ‘caçadora de pedófilos’ que virou vítima de vingança online

"Nós conversávamos sobre todo e qualquer assunto. Ele era a pessoa que eu procurava quando estava chateada – tudo o que eu queria era um abraço do meu pai", desabafa.

Lesley, cujo sobrenome foi suprimido desta reportagem, sempre adorou Duff. Ela nunca suspeitou que ele poderia ter um outro lado, que poderia levá-lo a entrar em contato com uma criança de 15 anos pela internet – e marcar um encontro.

Mas em julho de 2015, quando estava em casa com a filha, foi alertada por um amigo que seu pai havia sido confrontado por um caçador de pedófilos em um vídeo que estava circulando nas redes sociais.

A garota de 15 anos com quem seu pai achava que estava em contato era, na verdade, alguém usando um perfil falso – uma "isca" para tentar atrair e expor possíveis predadores sexuais infantis.

Lesley começou a chorar ao se lembrar de como recebeu a notícia.

"Meu amigo disse: ‘olha, eu realmente não sei como te dizer isso, mas tem um vídeo circulando no Facebook – é o seu pai’."

"Eu fiquei em estado de choque", diz ela.

"Foi no Facebook, e eu sabia que amigos em comum já tinham visto, então não havia nada que eu pudesse fazer."

"Eu devia estar gritando porque minha filha estava no andar de cima… ela me ouviu gritando, e me perguntou o que estava acontecendo."

Ela então disse à filha, que também tinha 15 anos na ocasião, que "o avô era pedófilo".

Em seguida, mostrou a ela o vídeo, algo que diz lamentar profundamente.

Duff se entregou à polícia naquele dia e teve seus computadores apreendidos.

Ele foi solto após ser interrogado e se matou dois dias depois.

Como estava em choque e irritada, Lesley não chegou a conversar com o pai depois que o vídeo veio à tona.

‘Manter as pessoas a salvo’

Esta é a primeira vez que Lesley se manifesta publicamente a respeito do pai.

Ela decidiu falar para que "caçadores de pedófilos" possam entender as consequências mais amplas de suas ações.

O programa de Victoria Derbyshire descobriu que pelo menos outras sete pessoas se mataram após terem sido confrontadas por caçadores de pedófilos nos últimos seis anos.

A maioria dos homens tirou a própria vida poucos dias depois de terem sido filmados, identificados e expostos nas redes sociais.

Mas aqueles que estão por trás destas "operações" afirmam que estão prestando um serviço importante – eles alegam que ajudam a manter as pessoas a salvo.

Jamie Lee, de 29 anos, um prolífico caçador de pedófilos – ou "agente de proteção à criança", como ele diz – decidiu desempenhar essa função por ter sido vítima de abuso.

Ele mostra o vídeo de uma de suas "operações", quando um homem de meia-idade chamado Robert – cujo sobrenome optamos por não usar – achava que estava falando com um garoto de 14 anos na internet.

Na verdade, ele estava conversando com Jamie.

"Robert se aproximou de mim", explica Jamie, que diz sempre esperar que os homens tomem a iniciativa de entrar em contato.

"Depois de cerca de duas semanas ele ficou bastante explícito, me dizendo todo tipo de coisa sórdida que faria comigo."

No vídeo, Jamie confronta o homem quando ele sai do carro, pedindo que entregue as chaves para não fugir.

"Se você acha garotos jovens em uniforme escolar atraentes, você é o quê?", pergunta ele, sem resposta.

"Você gosta de garotos novos?", ele tenta novamente.

"Sim, mas nunca fiquei com um", o homem responde.

O vídeo foi transmitido ao vivo no Facebook, com o homem identificado.

"Você vê o rosto dele mudar", observa Jamie, ao ver o vídeo de novo. "O rosto dele fica sem cor. Ele sabe que está em apuros."

"Vai caindo lentamente a ficha de que a boa vida que ele tem está prestes a chegar ao fim."

"Ele admitiu tudo quando percebeu que havia sido pego em flagrante", acrescentou.

Robert ficou preso por alguns meses após cair na armadilha – ele se declarou culpado por tentar estabelecer uma comunicação sexual com uma criança.

Ele se matou quando saiu da prisão.

Jamie diz que "nunca esperou" que isso acontecesse.

"Meu objetivo é que esses homens encarem o que fizeram."

"Fiquei arrasado quando descobri que Robert se matou, mais ainda por sua família", declarou.

"Eu sigo dizendo a mim mesmo que não é minha culpa. Me sinto um pouco culpado por um homem ter perdido a vida por causa da maneira como me aproximei dele."

"Não estamos fazendo isso para incitar a violência, incitar o ódio. Estamos fazendo isso porque se eles estivessem morando na casa ao lado, eu gostaria de saber", completa.

‘Roubando os suspeitos da justiça’

Em algumas ocasiões, a polícia trabalha com os chamados caçadores de pedofilia.

Mas o Conselho Nacional de Chefes de Polícia (NPCC, na sigla em inglês) adverte que eles podem minar as investigações policiais com pouca evidência.

Eles também estão preocupados com retaliações e suicídios.

No caso do suicídio de Duff, Lesley ficou sem resposta sobre a suposta culpa do pai e a dimensão de suas ações.

"Pode ter sido uma única ocasião em que ele fez algo estúpido."

"As pessoas podem dizer que ‘o pensamento estava lá’, mas a realidade é que ele pode não ter cometido nenhum crime", desabafa.

"Não sabemos, porque assim que ele tirou a própria vida o caso foi encerrado."

"Não sei o que estava no computador do meu pai, e nunca vou saber, porque alguém achou que devia colocar tudo no Facebook, em vez de deixar a polícia lidar com a situação."

Lesley sente que foi deixada sozinha para lidar com as consequências das ações de seu pai.

"Eu recebi ameaças – ameaçando me estuprar, estuprar minha filha", diz ela, enquanto tenta falar em meio às lágrimas.

Ela não foi capaz de fazer um velório para o pai por receio de que justiceiros pudessem aparecer. O inquérito foi encerrado pelo mesmo motivo.

Em vez disso, seu pai foi cremado a centenas de quilômetros de distância.

A morte dele não impediu, no entanto, a circulação de vídeos nas redes sociais.

Alguém que ela conhecia publicou um vídeo no Facebook mostrando o corpo dele sendo levado de casa em um saco plástico por uma ambulância.

Para Lesley, o vídeo é apenas mais um exemplo do tratamento que ela recebeu, que diz não ter feito nada para merecer.

Então, será que é correto "expor" supostos pedófilos na internet?

Jamie acredita que é importante que as pessoas saibam "do que eles são capazes".

Mas concorda que alguns caçadores de pedófilos se comportam de forma diferente – e nem sempre agem com a intenção de levar os suspeitos a julgamento.

"Há uma grande falta de responsabilidade de toda a comunidade", diz ele.

"Há muita gente querendo 15 minutos de fama e isso me irrita."

"Eles pegaram algo que era para ser grande e razoavelmente responsável e não é mais – é um circo, é constrangedor", completa.

Ele disse que decidiu abandonar a caça a pedófilos, ao conhecer Lesley durante as filmagens do programa Victoria Derbyshire, e afirmou que agora quer educar crianças nas escolas sobre os perigos do aliciamento online.

‘Eu não queria contar minha história’

Lesley se opõe fortemente a identificar supostos abusadores de crianças na internet, dizendo que a prática se transformou em nada mais do que "exibir" indivíduos para os outros julgarem.

"Eu não queria contar minha história", diz ela, "porque não queria trazer tudo à tona novamente".

"[Mas] está chegando ao ponto agora em que as pessoas precisam saber que, quando postam um vídeo no Facebook, o caso termina para elas, mas não é onde termina para nós [as famílias]".

Para Lesley, não houve justiça, tampouco respostas – apenas perguntas sobre quem o pai que ela adorava realmente era.

"Como meu pai fez algo assim?", ela se pergunta.

"Como meu pai se associou a algo assim – o pai com quem eu cresci, o pai que eu amava?"


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

https://www.youtube.com/watch?v=dbl0ZE7i4Co

https://www.youtube.com/watch?v=3Hdun3zKJxY

https://www.youtube.com/watch?v=m6yRLSqabpI

Tags

Últimas Notícias


Nós recomendamos