BBC Mundo

Há uma crise humanitária na fronteira entre EUA e México? O que os números dizem

No seu primeiro pronunciamento de 2019 na Casa Branca, Donald Trump disse que a migração na fronteira com o México estava provocando uma “crise humanitária e de segurança” nos EUA. Mas será que os dados corroboram essa declaração do presidente americano?

O presidente dos EUA, Donald Trump, diz que a paralisação de parte do governo e agências federais vai continuar até que o Congresso americano aprove os US$ 5,7 bilhões que ele pediu para financiar o muro entre os Estados Unidos e o México, para conter a imigração.

No seu primeiro pronunciamento de 2019 no Salão Oval, na Casa Branca, ele disse que o projeto é necessário para resolver a "crise humanitária e de segurança na fronteira".

Enquanto a paralisação de serviços – o chamado "shutdown" – chega à terceira semana, cerca de 800 funcionários do governo federal estão sem receber salário.

Recomendados

No entanto, Trump parece irredutível na ideia de que o fechamento do governo é necessário para forçar o Congresso a aprovar recursos para o tão prometido muro – um dos pilares da campanha presidencial do republicano em 2016.

Os democratas, que são atualmente maioria na Câmara dos EUA, se recusam a liberar o dinheiro dizendo que a política migratória e a retórica do governo sobre o tema são uma "crise fabricada".

Então, o que, de fato, está acontecendo?

Quantas pessoas estão cruzando a fronteira ilegalmente?

É impossível dizer ao certo, mas apreensões feitas por agentes de fronteira dão algumas pistas.

Foram apreendidas 396,5 mil pessoas na fronteira com o México em 2018, contra 303,9 mil em 2017.

O número havia caído fortemente no primeiro ano de governo de Trump, mas voltou a subir no ano passado.

Nos últimos 10 anos, porém, houve uma queda acentuada das pessoas detidas tentando entrar ilegalmente em território americano.

Portanto, há ou não uma "crise" de migração ilegal na fronteira sul dos Estados Unidos?

"Não", diz Jacinta Ma, diretora do National Immigration Forum (Fórum Nacional de Imigração), entidade que advoga em defesa de imigrantes.

"Mesmo com o aumento das apreensões no ano passado, o patamar é muito menor que o do início dos anos 2000", afirma.

A maioria dos migrantes entra pela fronteira com o México?

A entrada de migrantes nos EUA não se limita à fronteira com o México. Em 2017, por exemplo, houve 3.027 apreensões de migrantes ilegais na fronteira com o Canadá e outras 3.588 nas faixas litorâneas dos Estados Unidos.

Embora a migração na fronteira do México ocupe as manchetes, a maior parte das pessoas que vivem ilegalmente nos Estados Unidos entrou legalmente no país, mas permaneceu lá após o visto expirar.

De acordo com os relatórios mais recentes do Departamento de Segurança Nacional e do Centro de Estudos de Migração – um think tank não governamental -, desde 2007, o número de pessoas que decidiram ficar nos EUA após os vistos expirarem ultrapassa aquele de migrantes que entram no país cruzando a fronteira ilegalmente.

Os canadenses compõem a maior parte desses imigrantes ilegais, seguidos pelos mexicanos.

Em 2016, ficaram nos EUA após o fim do visto 739.478 pessoas, comparados a 563.204 migrantes que cruzaram a fronteira de forma ilegal.

É importante notar que, de acordo com o Pew Research Center – um dos principais institutos de pesquisa do mundo – o número total de imigrantes morando nos Estados Unidos ilegalmente, na verdade, diminuiu desde 2007. Em grande parte isso se deve à redução no número de pessoas que chegam pelo México.

Apreensões na fronteira tiveram um pico em 2000, alcançando 1,64 milhões. No total, o Pew Research Center estima que, em 2016, havia 10,7 milhões de imigrantes vivendo ilegalmente nos EUA.

Quantas pessoas tentam cruzar a fronteira legalmente?

Apreensões divulgadas pelo governo americano incluem pessoas que pedem asilo ou status de refugiado ao entrar nos Estados Unidos.

No ano fiscal de 2018, quase 93 mil pessoas alegaram viver em locais e situações de risco e pediram asilo na fronteira. Foi um crescimento substancial em comparação com 2017, quando 55.548 fizeram o mesmo pedido.

Kate Jastram, do Centro de Estudos de Gênero e Refugiados, da Universidade da Califórnia, diz que as famílias que fogem da violência na América Central passaram a compor uma fatia maior dos grupos que cruzam a fronteira em busca de asilo, a partir do começo de 2014.

Ela diz que isso tem mais a ver com as condições de vida naqueles países do que com qualquer política migratória implementada durante o governo Trump.

"A grande maioria dos homens mexicanos cruzavam a fronteira em busca de trabalho. Agora, temos muitas famílias e crianças, especificamente, pedindo proteção", ressalta Jastram.

Em novembro, uma caravana de 7 mil migrantes chegou à fronteira dos Estados Unidos com o México. Muitos deles afirmam estar fugindo da violência em países como Honduras, Guatemala e El Salvador.

Trump classificou a caravana como uma "invasão". Em geral, a taxa de rejeição a pedidos de asilo cresceu nos últimos seis anos.

O que Trump tem feito para lidar com a situação?

Nos últimos dois anos, Trump e seu gabinete lançaram mão de várias medidas restritivas, afetando tanto migrantes ilegais quanto pessoas em busca de asilo.

Pessoas em busca de asilo pegas cruzando a fronteira ilegalmente passaram a ter de esperar pela decisão do lado mexicano da fronteira.

Em junho, o então advogado-geral Jeff Sessions anunciou que alegações de violência doméstica e temor da violência de grupos criminosos não serviriam mais de base para a concessão de asilo nos EUA – essa medida foi derrubada pela Justiça americana.

Milhares de crianças foram separadas dos pais na fronteira como parte da "política de tolerância zero" que previa a detenção para processo criminal de todos que cruzassem a fronteira ilegalmente. Posteriormente, essa decisão foi revista, após decisões judiciais e repercussão negativa.

Na semana passada, Trump disse que poderia declarar situação de "emergência nacional" para forçar a liberação dos US$ 5,7 bilhões para a construção do muro na fronteira com o México. O decreto, em tese, permitiria que o Executivo passasse por cima das decisões do Congresso.

Especialistas em Direito Constitucional se dividem sobre se o presidente tem o poder e o direito de usar um decreto de emergência nacional para financiar o muro.

E a ameaça terrorista?

A porta-voz do governo Trump, Sarah Sanders, deu uma declaração que chamou a atenção em entrevista à rede de televisão americana Fox, na sexta.

"No ano passado, quase 4 mil terroristas ou suspeitos de terrorismo foram apreendidos após cruzar a fronteira sul dos Estados Unidos", disse ela.

Isso não é verdade. Até a colega dela, Kellyanne Conway, também assessora de Trump, classificou a fala de Sanders de "infeliz declaração incorreta".

Então, de onde vieram aqueles dados?

Um relatório da Casa Branca sobre imigração diz que 3.755 terroristas ou suspeitos de terrorismo foram impedidos de entrar nos Estados Unidos em 2017.

Mas isso inclui suspeitos que foram parados em qualquer ponto de entrada no território americano. A maioria tentou chegar aos Estados Unidos por avião e foi barrada nos aeroportos do país.

"O debate é sobre um muro na fronteira em terra. Incluir estatísticas de aeroportos é irrelevante e falacioso", diz Todd Bensman, do Centro de Estudos de Imigração, que defende uma redução na imigração.

Bensman, que atuou na área de inteligência contra terrorismo na fronteira do Texas com o México, analisou dados de uma "fonte de inteligência confiável" e concluiu que cerca de 100 migrantes da lista de suspeitos de terrorismo foram apreendidos na fronteira mexicana entre 2012 e 2017.

Dados da NBC News parecem corroborar essa afirmação. A emissora americana informou que, na primeira metade de 2018, seis migrantes na lista de suspeitos foram parados na fronteira sul dos EUA.

Ninguém que tenha cruzado a fronteira do México para os EUA ilegalmente de 1975 até o final de 2017 foi responsabilizado por ataques terroristas em solo americano, segundo David Bier e Alex Nowrasteh, da Cato Institute, um think tank com sede em Washington.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

https://www.youtube.com/watch?v=dbl0ZE7i4Co

https://www.youtube.com/watch?v=3Hdun3zKJxY

https://www.youtube.com/watch?v=m6yRLSqabpI

Tags

Últimas Notícias


Nós recomendamos