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Refeições em família: Como as crianças se beneficiam do contato com os pais à mesa

Comer mais vezes com os familiares reduz desde a propensão à obesidade até a probabilidade de usar drogas; e o principal ingrediente é o ato de estar juntos, diz especialista do Projeto Jantar em Família.

A hora do jantar é uma correria para muitas famílias: horários que não batem, cansaço depois de um dia cheio e pouco tempo para preparar refeições. O resultado é que, às vezes, cada pessoa da casa come em seu canto, em um horário diferente, diante da TV ou do celular – e nem sempre a comida é nutritiva.

Mas um projeto da Universidade Harvard se pôs a analisar 15 anos de pesquisas acadêmicas sobre refeições familiares e descobriu resultados significativos. Crianças que jantam regularmente em família costumam consumir mais nutrientes de frutas e vegetais, têm índices menores de obesidade e menor propensão a serem obesos quando adultos, além de ingerirem menos calorias do que se estivessem comendo fora de casa.

Foram identificados, também, benefícios acadêmicos e emocionais: taxas menores de uso de drogas e de depressão, mais resiliência, vocabulário mais amplo, maior capacidade de leitura e, no geral, notas melhores na escola.

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«Muitos fatores estão por trás disso, mas em grande parte esses benefícios se devem aos laços criados durante as refeições. É um momento de criar tradições familiares, de aproveitar a companhia um do outro e de simplesmente estar juntos», diz à BBC News Brasil Lynn Barendsen, diretora-executiva do Family Dinner Project (Projeto Jantar em Família), abrigado dentro da Escola de Educação de Harvard.

Um dos estudos levantados pelo projeto foi feito em 2010 pela Universidade Columbia, e comparou adolescentes que faziam refeições familiares frequentes (cinco a sete vezes por semana) aos que faziam menos de três por semana – os últimos tinham o dobro de propensão de experimentar drogas. Um motivo por trás disso seria que as refeições davam aos jovens a chance de conversar com seus parentes sobre seus cotidianos.

Compilando dados desse tipo, o Projeto Jantar em Família passou a elaborar e divulgar estratégias, receitas (em inglês) e até dicas de tópicos de conversa para incentivar refeições familiares que sejam menos estressantes e mais benéficas para todos. O projeto atende a 12 mil famílias diretamente e a outras centenas de milhares online (para quem se cadastrar no site).

A BBC News Brasil levantou algumas dessas dicas e estratégias para famílias que queiram melhorar – e multiplicar – as refeições conjuntas.

Barendsen ressalta que não há uma cartilha ou regra única para ser adotada por todos: cada família pode avaliar o que serve ou não para suas necessidades e o que ajuda ou não a deixar suas refeições mais prazerosas.

Criar hábitos aos poucos, sem se preocupar com a perfeição

«Em geral, as famílias que acompanhamos têm diferentes obstáculos: falta de tempo para cozinhar, o que gera estresse; reunir todos os membros da família ao mesmo tempo; não saber cozinhar; ter membros da família que sejam chatos para comer; ou estar em momentos de dificuldade financeira, tendo que trabalhar em excesso», diz Barendsen.

«A questão é identificar qual obstáculo dificulta as suas refeições e pensar em metas realistas, pequenas. Para uma família que só tem conseguido comer fast food todos os dias, não adianta esperar que todas as refeições passem a ser orgânicas. É um bom começo se eles passarem a comer melhor e juntos um dia por semana, ou a experimentar um alimento novo por semana, e aos poucos elas podem evoluir a partir daí.»

Entre as 21 oportunidades de refeição de cada semana, se a família conseguir aproveitar uma ou outra para se reunir e conversar já estará dando passos importantes. Se o pai só chega em casa depois de os filhos terem jantado, a reunião familiar pode se dar durante a sobremesa.

*Sugestões:

– Tirar um tempinho do fim de semana para planejar as refeições da semana seguinte facilita a organização da família.

– Cozinhar em maior quantidade e com antecedência, congelando porções em seguida.

– «Trocar» refeições com outras famílias em situação parecida: você prepara uma quantidade dobrada da mesma comida e troca com a outra família o prato que ela fez em dobro; assim, ambas vão ter uma variedade maior de pratos.

– Dividir as tarefas relacionadas às refeições é importante para evitar que um único membro da família (geralmente, a mãe) fique sobrecarregado com compras, preparo e limpeza. «Dá para criar tradições familiares e dividir as tarefas de compras e limpeza, por exemplo, incluindo as crianças – cada dia da semana uma lava a louça», sugere Barendsen.

A conversa importa tanto quanto a comida

A pesquisadora sugere deixar assuntos espinhosos – notas na escola, por exemplo – para outros momentos da vida familiar. E preservar as refeições para conversas descontraídas, jogos e brincadeiras.

«A conversa e a diversão das refeições importam exatamente o mesmo que a (qualidade da) comida», afirma Barendsen.

«Se as refeições forem só de perguntas sobre o dia na escola, os jovens não vão querer participar, por exemplo. Se a conversa for algo leve, vai estimulá-los a expressar seus pontos de vista, aprender a respeitar opiniões alheias e a desenvolver mais vocabulário até mesmo do que se os pais estivessem lendo com eles.»

*Sugestões:

– Deixar cada membro da família ter um dia para escolher a música que será ouvida durante a refeição.

– Conversar sobre filmes e séries de TV em vez de escola ou trabalho, caso esses assuntos gerem discussões muito acaloradas e improdutivas.

– Ter em mãos temas reflexivos para estimular as conversas com as crianças: «se você ganhasse na loteria, o que faria com o dinheiro?»; «se você pudesse voltar ao passado, que coisas traria para o presente?»; «conte duas coisas boas do seu dia.»

– Ou, em vez de fazer perguntas, pode-se propor reflexões sobre partes do dia da criança ou adolescente. «Pensei em você na hora do almoço porque sabia que você estaria fazendo aquela prova difícil e fiquei torcendo para ir tudo bem». Não espere uma resposta, apenas veja se ela vai usar a deixa para conversar.

– Se ajudar a prevenir o estresse, talvez valha evitar a «fiscalização» constante do prato das crianças, dando a elas alguma autonomia. Ter mais de um vegetal disponível na refeição permite, por exemplo, que a criança escolha um caso não queira comer o outro.

– Caso os pais achem válido brincar com a comida no prato, Barendsen sugere que fazer um rosto com cabelo de alface e olhos de azeitona, por exemplo, pode ajudar a tornar a refeição mais divertida.

A comida importa muito – mas pode ser simples e rápida

Poucas famílias têm tempo para elaborar múltiplos pratos complexos para todas as refeições – e isso nem é necessário.

«Dá para pensar em pratos rápidos e nutritivos e envolver a família no preparo», diz Barendsen. «Lembrando que não há um número mágico em que as refeições em família começam a surtir efeito, e a única coisa que não pode faltar é desfrutar a companhia um do outro.»

*Sugestões:

– As crianças estão com fome e a comida não está pronta? Uma ideia é usar frutas e vegetais como lanchinho – pedaços de cenoura, manga, brócolis, pepino ou azeitona, por exemplo. Daí você não precisa se preocupar quanto a se elas vão comer frutas e vegetais durante a refeição.

– Bolar refeições de «uma panela só»: um macarrão enriquecido com vegetais, um risoto com múltiplos ingredientes ou um wrap/sanduíche/panqueca/pizza caseira em que cada membro da família possa montar com os ingredientes (desde que saudáveis) de sua escolha.

– Para manter as crianças sentadas à mesa e conversando por mais tempo, uma possibilidade é ter como atrativo sobremesas simples e saudáveis – raspadinha de frutas, sorvete de banana congelada, bolos de frutas.

– Envolva as crianças no preparo: por exemplo, oferecendo duas opções de menu e deixando elas escolherem uma; levando-as à feira para que conheçam os alimentos in natura e pedindo para que elas escolham um que nunca viram – depois, vocês podem bolar juntos uma receita para esse alimento novo. As crianças também podem se divertir ajudando a pôr a mesa, medindo ingredientes, ligando o liquidificador e (com muito cuidado e supervisão), dependendo da idade, cortando vegetais e mexendo na panela.

– Elabore uma lista de receitas simples às quais você possa recorrer quando estiver com pressa e sem ideias, e mantenha ingredientes-chave na geladeira. Vegetais congelados, queijo e pedaços de pão podem virar uma refeição improvisada em questão de minutos.

– Com bebês e crianças pequenas, é bom lembrar que é necessário oferecer o mesmo alimento diversas vezes – e de diversos jeitos – para eles se acostumarem ao sabor. E pode ser que haja bagunça e sujeira. Se o resultado forem refeições mais divertidas, talvez valha relevar a confusão. Vai depender da dinâmica de cada casa.

– Pensar fora da caixa: se não deu para se reunir no jantar de ontem, quem sabe dá para organizar um café da manhã juntos ou um lanchinho antes de dormir? Se a mesa de jantar está cheia de papéis, dá para estender a toalha no chão e fazer um piquenique improvisado.

Permitir ou não eletrônicos?

Para Barendsen, cada família deve avaliar o que funciona ou não para si – e fazer acordos a partir disso. É o que vale, por exemplo, para o dilema de permitir ou não o uso de eletrônicos durante as refeições.

«A ideia é, novamente, que não adianta esperar perfeição, e tem gente que não consegue ficar longe do celular, embora eu coloque os eletrônicos na lista de coisas que podem perturbar as refeições», diz ela.

«Há famílias que vetam o uso de eletrônicos, há as que permitem o uso se for alguma mensagem urgente e há as que usam os eletrônicos em favor das conversas e da integração familiar – para ver um vídeo que pode servir de assunto ou para conversar via Skype com o pai que não chegou a tempo para o jantar.»

Se a ideia for vetar os eletrônicos, ela sugere fazê-lo em pequenos passos e sempre em comum acordo com a família.

Começar tradições familiares

Um dos mantras do Projeto Jantar em Família é que «as refeições familiares têm o poder de estimular o pensamento ético».

E Barendsen conta ter visto isso na prática. «Uma das famílias que acompanhamos é de uma mãe que certa noite estava jantando com seus dois filhos, quando perguntou: ‘se vocês ganhassem na loteria, o que fariam com o dinheiro?’. Ela esperava uma resposta brincalhona, mas ouviu de um deles, ‘eu daria o dinheiro para caridade’. Foi uma conversa de dez minutos no jantar que deu início a uma tradição familiar: eles reservaram um pote no qual juntam dinheiro para doar.»

*Sugestões:

– Aproveitar as refeições para conversar sobre projetos em família: uma viagem que queiram fazer juntos, uma decisão que queiram tomar (ter ou não um animal de estimação?) ou um esforço coletivo (por exemplo, mudar os hábitos alimentares de todos).

– Celebrar pequenas conquistas cotidianas: transformar as refeições em ocasiões especiais para comemorar não apenas aniversários, mas também quando um dos membros da família concluir um projeto difícil (desde aprender a andar de bicicleta a entregar um trabalho escolar) ou fizer algo especial (resolver um conflito na escola ou iniciar um curso novo, por exemplo).

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