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As lápides que contam histórias de assassinatos

A terrível história por trás das pedras de assassinato – monumentos erguidos para vítimas de crimes que chocaram comunidades locais no Reino Unido.

Perambulando pelo pitoresco cemitério da igreja de St. Catwg em Cadoxton, um visitante que está pela primeira vez no local pode se espantar ao deparar com uma mensagem brutal, em cima de uma pedra alta e desgastada pelo tempo: «ASSASSINATO».

Esse memorial no sul do País de Gales faz parte de um punhado de «pedras de assassinato» erguidas no Reino Unido, a maioria ao longo de um período de aproximadamente 100 anos, para lembrar mortes violentas que chocaram as comunidades locais.

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A pedra de Cadoxton é datada de 1823 e reconta a morte de Margaret Williams, de 26 anos, que era de Carmarthenshire, mas estava trabalhando «em serviço nesta paróquia», e foi encontrada morta «com marcas de violência em uma vala no pântano abaixo deste cemitério».

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A história de Miss Williams, como é conhecida a partir de relatos contemporâneos, é a de uma jovem solteira que trabalhava para um fazendeiro local em Neath quando engravidou.

Ela havia declarado que o pai da criança era filho do fazendeiro, e quando seu corpo aparentemente estrangulado foi encontrado no pântano perto da cidade, ele foi apontado como principal suspeito.

Mas, independentemente da versão em que a comunidade acreditava, não havia provas que ligassem ele ou qualquer outra pessoa ao crime, e o caso permaneceu sem solução.

No entanto, não restou dúvida do assassinato depois que a pedra, que é parte lápide e parte alerta para a história, foi erguida sobre seu corpo.

Dando os detalhes do destino que teve e a data em que morreu, a pedra, erguida por um religioso local, continua: «Embora o assassino selvagem tenha escapado por um período, Deus colocou sua marca nele temporariamente ou pela eternidade e o grito de sangue certamente o perseguirá até seu inevitável e terrível julgamento».

Caminho das pedras

Esse caso não resolvido é incomum entre os narrados pelas pedras. A maioria dos outros memoriais é dedicada a pessoas cujos assassinos foram rapidamente identificados, sentenciados e enforcados.

Jan Bondeson, professor aposentado da Universidade de Cardiff e médico consultor, fez um estudo da história do crime em paralelo a sua carreira médica e escreveu diversos livros sobre o assunto.

Ele se interessou pelas pedras de assassinato após editar um livro que as mencionava.

«A pedra do assassinato em Cadoxton é a única no País de Gales. Há muitas delas na Inglaterra. Havia um estímulo para a população local erguê-las. Um forte estímulo de lembrar um trágico assassinato.»

Bondeson documentou várias outras pedras de assassinato nos condados ingleses e um dos primeiros exemplos do tipo na Escócia.

Uma pedra de assassinato foi imortalizada por nada mais, nada menos que o escritor Charles Dickens – no romance Nicholas Nickleby, em que o herói homônimo percorre o sinistro Devil’s Punch Bowl, em Hindhead, no condado de Surrey, na Inglaterra.

No local, ele e seu companheiro se deparam com a pedra da vida real marcando o assassinato em 1786 de um homem conhecido apenas como o Marinheiro Desconhecido.

O homem não identificado estava a caminho de seu navio em Portsmouth quando parou em um pub local em Thursley. Lá, ele se juntou a três marinheiros e pagou o que beberam e comeram antes de deixar o estabelecimento com eles.

O marinheiro foi recompensado por sua generosidade da seguinte maneira: «Eles quase arrancaram a cabeça de seu corpo, o despiram completamente e o jogaram em um vale».

Os três, no entanto, não chegaram muito longe. O corpo do marinheiro foi encontrado logo depois, e James Marshall, Michael Casey e Edward Lonegon foram perseguidos e capturados após tentarem vender as roupas do homem morto em um pub.

Eles foram enforcados ao mesmo tempo perto da cena do crime, e o desconhecido foi enterrado em Thursley com uma lápide paga pela população.

Mas o dono de uma usina local, James Stillwell, deu um passo adiante. Ele colocou uma pedra no Devil’s Punch Bowl, com este aviso sombrio para as futuras gerações:

«ERGUIDO, Em abominação de um assassinato bárbaro, Cometido aqui contra um marinheiro desconhecido, em 24 de setembro de 1786, por Edwd. Lonegon, Mich. Casey e Jas. Marshall, que foram levados no mesmo dia, E enforcados com Correntes perto deste lugar, Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu Sangue será derramado. Gn 9 Ver 6»

Bondeson disse que a maioria das pedras surgiu por volta da década de 1820, acrescentando «Esse foi o auge da construção de pedras de assassinato. Todas estão no país – nenhuma está em áreas urbanas».

Homenagem e moralismo

Elizabeth – Bessie – Sheppard tinha apenas 17 anos quando saiu de sua casa em Papplewick, Nottingham, em 7 de julho de 1817, para procurar trabalho como empregada doméstica em Mansfield, a 11 quilômetros dali. Ela encontrou um emprego, mas nunca encontrou o caminho de volta para casa porque, em sua jornada de retorno, um amolador de facas ambulante a achou.

Charles Rotherham, um homem de 30 e poucos anos, havia servido como soldado nas guerras napoleônicas por 12 anos antes de começar essa nova etapa de sua vida.

Ele foi visto na estrada saindo de Mansfield, depois de beber várias cervejas, onde seu caminho cruzou o de Bessie.

Seu corpo violentamente machucado foi encontrado em uma vala por pedreiros no dia seguinte. Ela estava sem os sapatos e o inconfundível guarda-chuva amarelo e havia evidências de que seu agressor havia tentado tirar seu vestido, mas não conseguiu.

Rotherham havia vendido os sapatos de Bessie e estava a caminho de Loughborough quando foi preso. Ele confessou o crime e foi levado de volta à cena onde mostrou à polícia a estaca que havia usado para matar Bessie.

Como todos os assassinos da época, ele foi executado pelo crime, por meio de enforcamento. A população local, indignada com o ataque, juntou dinheiro para uma lápide em homenagem a Bessie. A pedra foi fixada no mesmo local em que ela foi atacada.

A lápide de Bessie apenas honra a memória da menina morta, mas outra pedra erguida para uma vítima da violência do sexo feminino tem um tom mais moral, aparentemente advertindo as mulheres contra certos comportamentos, tanto quanto expressando raiva em relação ao assassino.

«Como uma advertência à Virtude Feminina, e um humilde Monumento à Castidade Feminina: esta Pedra marca o Túmulo de MARIA ASHFORD, que, em seu vigésimo ano vida, tendo imprudentemente reparado a uma cena de diversão, sem proteção adequada, foi brutalmente violentada e assassinada no dia 27 de maio de 1817. »

Caso emblemático

A história por trás da morte de Mary Ashford e suas consequências deixou uma marca permanente na história jurídica inglesa.

Ela havia ido a um baile em Erdington, Birmingham, com uma amiga identificada como Hannah Cox, com quem planejava passar a noite antes de voltar ao local de trabalho, na casa de seu tio em uma aldeia vizinha.

No baile, ela conheceu o filho de um proprietário de terras local, Abraham Thornton, e mais tarde relatos confirmaram que os dois passaram a maior parte da noite dançando juntos e se divertindo.

Quando saíram do baile, Mary disse à amiga que passaria a noite na casa dos avós – possivelmente uma tática para passar mais tempo com Thornton. Mary e ele saíram juntos.

Mary retornou à casa de Hannah às 4 da manhã, trocou as roupas que estava usando na festa pelo uniforme do trabalho, pegou alguns pacotes e seguiu para a casa do tio.

Cerca de duas horas depois, um trabalhador encontrou uma trouxa de roupas e pacotes no caminho que levava à casa de Mary. O alarme foi ligado e seu corpo foi encontrado submerso em um poço cheio de água.

Uma autópsia mostrou que ela se afogou e perdeu a virgindade pouco antes de morrer.

As pessoas acreditavam que Thornton, tendo sido rejeitado por Mary durante as horas que passaram juntos, havia ficado esperando ela voltar para casa para estuprá-la antes de jogá-la no buraco para se afogar.

Ele foi devidamente preso e julgado, mas várias testemunhas o colocaram em outro local no momento da morte de Mary e ele acabou absolvido.

Mas a história não termina aí. O irmão de Mary, William Ashford, iniciou um processo particular sob uma obscura lei antiga, que permitia que parentes de vítimas de assassinato apresentassem uma «apelação de assassinato» após uma absolvição.

Thornton foi surpreendido. Em resposta, exigiu um julgamento por combate, como tinha o direito de fazer de acordo com essa lei, sob a qual ele poderia legalmente ter matado Ashford, ou se o derrotasse, ser libertado.

Ashford era muito menor que Thornton e recusou a batalha. Thornton era um homem livre, e o caso foi rapidamente seguido por uma mudança na lei em 1819, proibindo tais apelos e, portanto, julgamentos por batalha.

Outras vítimas incluem:

  1. William Wood, de Eyam, Derbyshire, assassinado por três homens que lhe roubaram 100 libras em 1823 – sua cabeça foi «espancada da maneira mais terrível possível». Dois homens foram pegos, um escapou da Justiça. Um memorial permanente foi erguido mais de 50 anos após o crime, após versões anteriores terem sido destruídas ou removidas, o que mostrava a força do sentimento ainda presente na comunidade sobre o assassinato.
  2. Pai e filho William e Thomas Bradbury, que foram brutalmente atacados no pub de William, The Cherry Arms, conhecido localmente como Bill O’Jacks, em 2 de abril de 1832, em Greenfield, Saddleworth. Seus assassinatos não resolvidos foram registrados em uma lápide que salientou seus «corpos terrivelmente machucados e dilacerados».
  3. A família Marshall – o «horror excepcional», como notou a revista The Spectator na época, sobre os assassinatos de Denham em Buckinghamshire, onde uma família de sete pessoas, incluindo três jovens garotas, foi espancada até a morte em sua casa, anexada à loja de ferragens de seu pai. A mais nova, Gertrude, de 4 anos, foi encontrada ainda agarrada nos braços da avó Mary Marshall. O assassino John Jones foi encontrado poucos dias após os assassinatos em 22 de maio de 1870 e rapidamente julgado e executado. Eles estão enterrados em um túmulo na Igreja de St. Mary, em Denham, onde a pedra de assassinato original foi reforçada por uma placa moderna para lembrar as vítimas.

A última palavra vai para aqueles que escolheram homenagear Nicholas Carter, um agricultor de 55 anos de idade, de Bedale, Yorkshire, morto por um trabalhador rural enquanto voltava do mercado para casa.

A pedra colocada no local do assassinato em Akebar tinha uma mensagem muito simples, junto com a data de sua morte, em 19 de maio de 1826: «Não mate».

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