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Vitória de Bolsonaro será recebida com apreensão internacionalmente, diz analista americano

Inexperiência internacional e turbulência social lançam dúvidas sobre capacidade do novo presidente implementar sua agenda política e econômica.

A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) e os desafios que o novo presidente poderá enfrentar para implementar sua agenda política em um momento de turbulência e polarização no Brasil serão recebidos com apreensão no resto do mundo, segundo analistas estrangeiros consultados pela BBC News Brasil.

Para Michael Shifter, presidente do instituto de análise política Inter-American Dialogue, em Washington, o momento de turbulência interna e o que caracteriza como «política de divisão e polarização» de Bolsonaro deverão limitar a atuação de seu governo no âmbito internacional.

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«É difícil imaginar uma política externa bem sucedida quando há tanta turbulência na política interna. Num cenário assim, a economia também poderá sofrer. São necessários certos acordos e entendimentos para implementar reformas. A grande pergunta é se Bolsonaro e seus apoiadores no Congresso vão conseguir chegar a esses acordos. E o desempenho no âmbito doméstico terá enorme impacto nas relações externas do Brasil», afirma.

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Shifter cita possíveis medidas adotadas pelo novo presidente em relação à crise de violência no Brasil como outro ponto de tensão. «Se levar adiante uma política linha dura, poderá atrair fortes reações internacionais.» Para ele, a falta de direção clara na política econômica também dificulta a atração de investimentos.

EUA e América Latina

O cientista político Riordan Roett, diretor emérito do programa de estudos da América Latina da Universidade Johns Hopkins, em Washington, ressalta que Bolsonaro não tem muita experiência internacional e vai enfrentar um cenário global de incerteza, com crises em vários países, inclusive na América Latina. «Vamos esperar que ele tenha paciência e vontade de ouvir e aprender rapidamente após se tornar presidente.»

Para o cientista político Harold Trinkunas, da Universidade Stanford, na Califórnia, a crise dos refugiados na fronteira com a Venezuela será um dos grandes desafios regionais do novo presidente.

«Ele poderá ser forçado a adotar medidas mais duras em relação à Venezuela, talvez mais duras do que o Grupo de Lima (países que se reuniram em busca de uma saída para a crise venezuelana) estaria disposto a adotar», afirma Trinkunas.

Bolsonaro costuma ser comparado ao presidente americano, Donald Trump, mas para os analistas consultados pela BBC News Brasil, as eventuais semelhanças entre os líderes não são garantia de boas relações entre os dois países.

«Superficialmente, as relações entre Brasil e Estados Unidos podem melhorar. Mas ainda há tensões sobre questões econômicas», afirma Trinkunas.

Segundo o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, em Washington, um político de direita no Brasil não tem necessariamente posições pró-Estados Unidos.

«Se olharmos, por exemplo, para o regime militar no Brasil, houve períodos em que esteve bem distante dos Estados Unidos em sua política externa. Acredito que especialmente alguém vindo de uma carreira militar, como Bolsonaro, pode seguir a tradição de preocupação em preservar a soberania nacional contra poderes estrangeiros, particularmente contra os Estados Unidos», diz Taylor.

Antiestablishment

Para os analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a vitória de Bolsonaro está ligada parcialmente a uma onda de insatisfação com o sistema político em diversos países, resultado da frustração dos eleitores com governos e propostas de candidatos tradicionais, mas não se deve ignorar características específicas do Brasil.

«Bolsonaro é parte de uma onda de políticos antiestablishment, mas é também único em relação ao Brasil e a um momento específico na história da democracia brasileira. Estamos em um terço de século no mais recente experimento com democracia no Brasil e não está indo tão bem como a maioria dos brasileiros gostaria», observa Taylor.

Shifter afirma que, em certo nível, o Brasil parece se encaixar em um movimento em direção ao nacionalismo e ao populismo visto em várias partes do mundo. «Em parte, as investigações de corrupção no Brasil apenas reforçaram o sentimento de que os políticos tradicionais não apenas não estão satisfazendo as demandas da população, mas também estão roubando», diz Shifter.

«Sempre houve um setor do Brasil que compartilhou essas opiniões (manifestadas por Bolsonaro). Agora, com o vácuo no meio, não há mais centro no Brasil, ou pelo menos não houve candidato capaz de unir o centro, e Bolsonaro conseguiu ganhar terreno nesse contexto», ressalta o presidente do Inter-American Dialogue.

Taylor afirma que a mudança de retórica trazida por um governo Bolsonaro deve se mostrar um baque na perspectiva do mundo sobre o Brasil «como uma democracia vibrante, multirracial, que pode servir de modelo para outras novas democracias».

Mas o analista questiona a possibilidade de mudança radical. «A retórica obviamente vai mudar, mas é provável que Bolsonaro enfrente um Congresso não muito diferente dos anteriores, ou talvez ainda mais difícil de trabalhar. Acho que Bolsonaro vai enfrentar oposição, muitos partidos de centro e centro-esquerda terão dificuldade de cooperar com ele. Isso significa que será difícil cumprir muitas de suas promessas», diz Taylor.

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