BBC Mundo

O que defendem os negacionistas do Holocausto, no centro de polêmica envolvendo Mark Zuckerberg

Fundador do Facebook foi criticado após afirmar que sua rede social não deveria proibir perfis de pessoas que negam genocídio de judeus sob Alemanha nazista; mas quais são os argumentos dos chamados ‘negacionistas do Holocausto’?

«O Holocausto, a tentativa da Alemanha nazista de exterminar judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial, nunca aconteceu.»

É o que pensam os «negacionistas do Holocausto», que rejeitam a ideia de que a Alemanha nazista sistematicamente aniquilou judeus durante a Segunda Guerra, como explicou à BBC a historiadora Deborah Lipstadt, da Emory University, dos Estados Unidos.

«Eles afirmam que os nazistas não assassinaram seis milhões de judeus, que a noção de que havia câmaras de gás para matar em massa é um mito, e que qualquer morte de judeus ocorrida sob o domínio nazista foi resultado da guerra e não de uma perseguição sistemática e assassinato em massa organizado pelo Estado», disse Lipstadt.

Recomendados

  1. O fugitivo de campo de concentração que lutou nos bosques contra os nazistas e inspirou único Museu do Holocausto no Brasil
  2. ‘Colhíamos grama para minha mãe fritar com gordura’, diz sobrevivente do Holocausto radicado no Brasil

«Alguns até afirmam que Hitler era o melhor amigo que os judeus tinham na Alemanha e que ele trabalhou ativamente para protegê-los», diz a especialista.

O tema da negação do Holocausto ressurgiu esta semana após o presidente e cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg, defendeu o direito de «negacionistas do Holocausto» de fazerem parte da rede social.

Como judeu, ele disse ver esse pensamento como «profundamente ofensivo», mas que rejeita a ideia de excluir os perfis de quem o difunde.

«Eu acho que há coisas sobre as quais as pessoas se equivocam. Não acho que estejam intencionalmente interpretando os fatos de forma errada», disse ele ao site de tecnologia Recode, na quarta-feira.

Mas o que dizem os negacionistas do Holocausto? Lipstadt apresenta seus 4 principais postulados.

1. Auschwitz não era um campo de extermínio

Lipstadt, autora do best-seller A Negação do Holocausto, diz que os «negacionistas» veem Auschwitz, o complexo de campos de concentração e extermínio no sul da Polônia tido como símbolo do Holocausto, como meros campos de prisioneiros.

As notórias câmaras de gás, fartamente documentadas após a guerra, teriam sido, na verdade, câmaras de desinfecção ou necrotérios, ou apenas abrigos antiaéreos.

«Esse argumento (‘abrigos antiaéreos’) ignora o fato de que eram pequenos demais para abrigar os prisioneiros do campo e que ficavam a mais de um quilômetro dos alojamentos dos guardas, uma distribuição decididamente tola se os abrigos eram feitos para protegê-los», explica Lipstadt.

Alguns negacionistas afirmam que os milhares de judeus mortos em Auschwitz faleceram em consequência de uma epidemia de tifo.

2. A documentação foi fabricada

O extermínio de judeus teria sido um «mito fabricado».

Os argumentos são de que as provas documentais teriam sido falsificadas no final da Segunda Guerra Mundial por pessoas que trabalham para a comunidade judaica mundial, diz Lipstadt.

Também alegam que «milhares dessas falsificações foram plantadas em arquivos de toda a Europa».

Mencionam a ausência do que seria uma prova concreta «convincente»: uma ordem de Hitler, por escrito, autorizando a aniquilação dos judeus.

Para Lipstadt, a alegação de que toda a documentação do Holocausto foi feita por falsificadores é «incrivelmente improvável».

«Isso não explica por que esses supostos falsificadores, incrivelmente talentosos, não conseguiram produzir a única folha de papel que os negacionistas exigem como ‘prova’ de que o genocídio ocorreu», isto é, a ordem que teria partido do próprio Hitler.

3. Muitos judeus não morreram, apenas foram embora

Outro argumento comum de negacionistas é a explicação que dão para o desaparecimento de judeus de países como a Alemanha: eles simplesmente foram embora.

Segundo Lipstadt, a alegação é de que «perdeu-se o rastro deles quando foram para lugares como a União Soviética ou os Estados Unidos».

«Eles afirmam que nesses países já havia tantos judeus que ninguém notou a presença de mais alguns milhões», explica a pesquisadora.

Um dos defensores dessa teoria, o professor americano Arthur Butz, diz que muitos judeus que teriam sido mortos na Segunda Guerra na verdade sobreviveram mas não voltaram a contatar suas famílias porque teriam montado «novas famílias» em outros lugares.

Segundo Butz, estes teriam encontrado outras parceiras ou parceiros, estabeleceram melhores relacionamentos, começaram a vida nova e não atualizaram seus registros oficiais.

Lipstadt considera esta argumentação «improvável».

4. As confissões não são válidas

Otto Ohlendorf, comandante de uma das unidades das Einsatzgruppen – um esquadrão da morte responsável por diversas execuções em massa na Alemanha nazista – testemunhou publicamente que entre junho de 1941 e 1942 o grupo que comandava assassinou 90 mil pessoas.

Mas os negacionistas rejeitam as confissões e testemunhos feitos por ex-comandantes militares ou membros do governo nazista, alegando que estes teriam sido feitos sob tortura – e, por isso, deveriam ser ignoradas.

«Eles dizem que aqueles que confessavam sabiam que a admissão levaria a uma condenação à morte, por isso não teriam confessado se não tivessem sido forçados a isso», explica Lipstadt.

No entanto, a acadêmica ressalta que várias das confissões mais detalhadas foram escritas depois que os acusados pelos crimes já haviam sido condenados à morte.

Para negacionistas, entretanto, estas confissões pós-condenação refletem a «enxurrada de propaganda» a que foram submetidas essas «vítimas do engano».

O que disse Zuckerberg?

As declarações polêmicas de Mark Zuckerberg foram dadas em entrevista ao site da tecnologia Recode, em resposta a perguntas sobre o que o Facebook está fazendo para combater notícias e sites falsos, como o InfoWars, que promovem teorias da conspiração.

Quando perguntado sobre sua política relacionada a notícias falsas no Facebook, Zuckerberg citou como exemplo as pessoas que negam o Holocausto.

«Sou judeu e há um grupo de pessoas que negam que o Holocausto tenha acontecido», disse ele à repórter Kara Swisher.

«Acho isso profundamente ofensivo. Mas, no fim das contas, não acho que nossa plataforma deva excluir (esses usuários), porque creio que existem coisas sobre as quais as pessoas se equivocam. Não acho que estejam intencionalmente interpretando os fatos de forma errada», disse Zuckerberg.

Por causa da repercussão de seu comentário, Zuckerberg enviou, depois, uma declaração à revista esclarecendo seu posicionamento.

«Pessoalmente acho a negação do Holocausto profundamente ofensiva e não pretendia defender as pessoas que o negam», frisou.

Tags

Últimas Notícias


Nós recomendamos