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Decisão do TRF-4 pode reduzir eleição a “questão Lula”, diz professor do Insper

Para o cientista político Carlos Melo, condenação do petista em 2ª Instância na Lava Jato cria o risco de que a corrida eleitoral de 2018 se reduza ao debate sobre o tríplex do Guarujá.

Para os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), o ex-presidente Lula não só recebeu propina da construtora OAS por meio de um apartamento tríplex no Guarujá (SP), como também usou artifícios destinados a esconder a propriedade do imóvel.

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Leandro Paulsen, Victor Laus e João Pedro Gebran Neto concordaram de forma unânime em manter a condenação imposta pelo juiz federal Sergio Moro e aumentaram a pena do petista para 12 anos e um mês de prisão em regime fechado.

O mundo político deve debater a decisão dos três desembargadores à exaustão nos próximos meses. E aí mora o problema: para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, existe o risco de a decisão do TRF-4 reduzir as eleições de 2018 ao debate sobre um apartamento de três andares no litoral paulista.

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"Você acredita em alguém tentando conquistar esses votos lulistas falando bem da prisão do Lula? Candidatos desse campo (de esquerda) e até de fora dele tendem a fazer o discurso da vitimização do Lula. E, se esse discurso pegar, corremos o risco de transformar o debate eleitoral no debate da ‘questão Lula’", diz Melo.

Em entrevista à BBC Brasil, Melo diz que este é o pior cenário possível após a retirada de Lula da disputa eleitoral. Para o cientista político, pré-candidatos da centro-direita como Rodrigo Maia (DEM) e Henrique Meirelles (PSD) ainda não possuem força suficiente para pautar o debate sobre a reforma da Previdência, por exemplo. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – O que muda no cenário político com a decisão?

Carlos Melo – O que muda é que sem dúvida o candidato mais forte não estará na urna eletrônica. Então você tem aí uma questão. O que vai ser feito com esse eleitor? Estamos falando de 30% do eleitorado. Você acredita em alguém tentando conquistar esses votos lulistas falando bem da prisão do Lula?

Candidatos desse campo (de esquerda) e até de fora dele tendem a fazer o discurso da vitimização do Lula. E se esse discurso pegar, corremos o risco de transformar o debate eleitoral no debate da "questão Lula".

E eu não estou dizendo é que é uma questão desimportante. Mas você tem um sistema político em frangalhos. Temos muitos outros que deveriam estar sentados no banco dos réus. Temos uma série de reformas econômicas para fazer. Reduzir o debate eleitoral exclusivamente à questão do Lula é ruim para o país.

O melhor seria exigir o aprofundamento das investigações, rediscutir o foro privilegiado e depois reformar o sistema político brasileiro.

Mas, por conta dessa corrida atrás do eleitorado do Lula, é possível que a discussão se limite à questão dele. Se o tríplex era ou não dele. Vamos entrar num debate muito ruim, e não duvido que isso aconteça.

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Presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia

BBC Brasil – Para muita gente, o julgamento de Lula é uma espécie de "ato final" da Lava Jato. Você concorda? De onde veio esse sentimento?

Melo – Não se pode dizer que o país esteja de pernas para o ar por conta desta decisão. Não está. Tem gente feliz e tem gente triste com a condenação do Lula. Mas dizer que as pessoas vão se mobilizar em massa em relação a isso, eu creio que não (acontecerá). Prefiro esperar para ver.

O que tem se mostrado é que os movimentos ligados ao PT não mobilizam como antes. Acho que os efeitos serão mais eleitorais que de mobilização, e esses efeitos eleitorais podem empobrecer o debate político. Ficaremos discutindo o tempo inteiro se Lula é ou não vítima, se foi ou não perseguido. O país precisa virar a página, e não me parece que vai virar.

Se o Lula fosse candidato, a gente teria que discutir a reforma da Previdência, por exemplo. Mas, sem o Lula, você consegue imaginar o (Henrique) Meirelles (ministro da Fazenda), o (Rodrigo) Maia (presidente da Câmara) ou o (Geraldo) Alckmin (governador de São Paulo pelo PSDB) pautando o debate nacional?

Acho que personagens como Ciro (Gomes, pré-candidato do PDT), (Fernando) Collor (pré-candidato pelo PTC) e Marina Silva talvez tendam a, de olho no eleitor do Lula, fazer o discurso de vitimização. Setores do PT vão tentar transformar o Lula numa espécie de (Nelson) Mandela, o que eu acho um exagero.

Precisamos punir todo mundo (que estiver envolvido em corrupção). Depois, reformar o sistema (político), e bola pra frente. Ver o que precisa e pode ser feito e fazer.

Para Carlos Melo, é possível que a eleição se transforme num grande debate sobre Lula | foto: Carlos Melo | Foto: Facebook/Carlos Melo/Reprodução

BBC Brasil – Políticos governistas têm repetido que "preferem que Lula concorra". São sinceros? Ou trata-se de um blefe ou de uma tentativa de afastar a eventual pecha de "golpista"?

Melo – Não acho que seja nenhuma das três coisas. É que "onde passa boi, passa boiada". Tem muita gente no sistema político assustada. Quando um político como o Lula é condenado e preso, é porque há vários outros que podem ser também.

Sendo claro, tem gente com mandato nessa situação. Acho que a eventual prisão dele de certa forma desperta um receio em muita gente do sistema político, que acha que pode ser a "próxima vítima", por assim dizer.

Tem muita gente fazendo esse discurso simplesmente porque era conveniente que ele disputasse (a eleição), perdesse e depois ficasse livre.

O que o TRF-4 disse, em resumo, é que ex-presidentes podem ser presos sim. Se você não tiver mandato e for para a Justiça de primeira instância pode, sim, ser condenado e preso. Tem muita gente com medo de perder o mandato.

E por outro lado, se não passar uma boiada, se tudo realmente se resumir unicamente ao Lula, vai dar razão para quem diz que foi perseguição.

João Gebran Neto leu um voto de mais de 400 páginas contra Lula | Foto: TRF-4

BBC Brasil – Eleitoralmente, quem sai beneficiado eleitoralmente com a decisão do TRF-4?

Melo – Veja, se eu te dissesse isso, seria um palpite. As pesquisas vão ter que mostrar. Nós não sabemos nem quem o PT vai indicar no lugar do Lula. Não temos informações razoáveis para discutir isso. Temos que ver as próximas sondagens sem o Lula para ver o que acontecerá.

Este quadro eleitoral são as próximas pesquisas que vão mostrar. Imagino que as empresas e institutos devem estar pesquisando isso agora.

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