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O playboy acusado de série de assassinatos que atuou como seu próprio advogado de defesa no Canadá

Jovem de 32 anos foi condenado por dois homicídios – e, no último deles, ficou sem advogado e fez sua própria defesa; ele ainda será julgado pelo assassinato do pai em 2018.

Ele é um dos assassinos mais famosos do Canadá. E chamou a atenção por aparecer em julgamento por mais um de seus crimes representando a defesa de si próprio. Dellen Millard, acusado por homicídio qualificado, seria seu próprio advogado no caso.

Diante da testemunha, Clayton Babcock, o pai da vítima, ele respirou fundo e perguntou: "Você está nervoso?".

Usando um blazer moderno, óculos e com uma trança atrás da orelha direita, o jovem de 32 anos parecia mais um executivo de empresa de tecnologia do que um advogado criminalista.

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Mas ali estava ele, o advogado de defesa no primeiro dia de julgamento de um dos casos de assassinato mais chocantes do Canadá neste ano – cometido por ele próprio.

"Isso não deve ser fácil para você, ser questionado por mim, considerando que eu mesmo sou o acusado. Isso dificulta mais para você?", Millard pressionou.

"Não", respondeu Babcock, determinado a enfrentar a situação.

Nas próximas sete semanas, o júri iria assistir a Millard interrogando os melhores amigos e familiares de sua ex-namorada de 23 anos.

Mas o que eles não podiam ver por baixo do púlpito era que as pernas de Millard estavam algemadas.

Em 2016, ele e seu parceiro Mark Smich, também acusado pelo assassinato de Babcock, foram condenados por homicídio qualificado pela morte de Tim Bosma.

Agora, já cumprindo sentença por aquele crime, os dois voltaram a julgamento para responder pela morte da universitária que foi namorada de Millard por um período.

Assim como no caso de Bosma, os promotores acreditam que a dupla planejou o assassinato dela em julho de 2012 e se livrou do corpo com um incinerador industrial comprado apenas para a ocasião.

O corpo da jovem nunca foi encontrado.

No sábado, Smich e Millard foram condenados pela segunda vez por mais um homicídio.

As muitas faces de Dellen Millard

Nascido em uma família rica, Millard cresceu em Toronto e trabalhou com seu pai na MillardAir, uma companhia aérea no sul de Ontário fundada por seu avô na década de 1960.

Superficialmente, ele aparentava ser um garoto festeiro que às vezes usava um moicano rosa e tinha uma tatuagem no pulso com a palavra "ambição".

Millard dava várias festas na piscina de sua mansão e deixava os amigos jogarem videogame e dirigirem sua coleção de carros luxuosos, conforme alguns deles relataram à rede CBC de televisão.

Mas por trás do jovem "playboy" estava o homem que invadia aos poucos o mundo do crime. Apesar de sua riqueza, Millard começou a praticar pequenos roubos.

No tribunal, o júri ouviu testemunhos de que Millard vendia drogas, roubava carros e agia frequentemente com Smich como seu parceiro no crime.

Quando seu pai, Wayne Millard, cometeu suicídio em novembro de 2012, Millard herdou seu negócio multimilionário e suas propriedades, de acordo com registros descobertos pelo jornal Toronto Star.

"Ele era econômico consigo mesmo, mas muito generoso com os outros. As únicas pessoas que ele temia eram os racistas", escreveu Millard sobre seu pai para o obituário do jornal algumas semanas após sua morte.

"Ele era paciente e teimoso. Admirava Cristo e Gandhi."

"Era um homem bom em um mundo descuidado. Era meu pai", finalizou.

Mas, ao contrário do tom carinhoso de suas últimas palavras para o pai no jornal, funcionários da MillardAir contam que a relação entre os dois era tensa. Havia, inclusive, uma conversa de que o filho seria demitido por causa de seus gastos excessivos. Seis meses depois, Millard seria acusado de assassinar não apenas seu próprio pai, mas também Babcock e Bosma.

‘Era só um caminhão’

Se não fosse por seu caminhão, talvez Tim Bosma ainda estivesse vivo. O homem de 32 anos estava tentando vender seu veículo e sua esposa Sharlene Bosma fez um post nas redes sociais anunciando o negócio.

Millard estava em busca de um veículo para seguir com seu hobby de corrida na estrada.

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Promotores dizem que ele viu o anúncio sobre o caminhão de Bosma, ano 2007, e decidiu que seria o veículo ideal. Os Bosmas tinham uma filha de dois anos de idade e queriam aumentar a família – o dinheiro estava curto e se livrar do caminhão ajudaria a aliviar os gastos.

No dia 6 de maio de 2013, Millard e Smich chegaram até a casa da família na cidade de Hamilton para fazer um test drive no caminhão. O marido perguntou à mulher a se deveria ir junto e ela disse que sim, "para garantir que o caminhão voltaria".

Mas depois disso, ela nunca mais o viu.

Depois de ele não ter respondido inúmeras mensagens de texto e voz, Sharlene foi à delegacia e reportou o desaparecimento de Bosma.

Houve uma campanha nas redes sociais para encontrá-lo, que mobilizou toda a cidade. No dia 8 de maio, Sharlene Bosma deu uma coletiva de imprensa emocionada em que implorou pelo retorno de seu marido.

"Era apenas um caminhão, uma porcaria de um caminhão. Você não precisa dele, mas eu preciso. Minha filha precisa do pai."

Quatro dias depois, a polícia encontrou o caminhão de Bosma na casa da mãe de Millard. Ele tinha resíduos de bala e vestígios de sangue. Restos humanos foram encontrados depois em um incinerador na fazenda de Millard.

‘Vou tirá-la de nossas vidas’

O assassinato de Bosma chocou a cidade de Hamilton. A mídia local cobriu todos os dias do julgamento, e as autoridades estavam tão preocupadas com a segurança dele, que o deixaram em uma solitária na prisão durante mais de 1.100 dias.

Mas esse não seria o único julgamento que Millard e Smich enfrentariam pelos crimes que cometeram. Pouco tempo depois que foram presos, a polícia também os acusou pelo assassinato de Babcock, que estava desaparecida desde 4 de julho de 2012.

Smich e Millard foram condenados a prisão perpétua sem possibilidade de redução de pena pelos próximos 25 anos em junho de 2016. Em outubro, o jovem rico passou a argumentar que não tinha dinheiro para bancar suas despesas com a defesa.

Desde que foi acusado do assassinato do pai, Millard ficou sem a herança da família, e enfrenta ainda um processo movido pela família Bosma, que pede pagamento de 14 milhões de dólares canadenses em indenização.

Os milhões que ele tinha em propriedade foram transferidos para sua mãe depois de sua prisão.

Millard não teve autorização do juiz para receber auxílio judicial e, por isso, acabou optando por ser seu próprio defensor no caso.

No primeiro dia de julgamento, Millard assumiu os questionamentos às testemunhas e perguntou a Babcock se ele já havia batido na filha, se sabia que ela trabalhava como acompanhante de luxo e se tinha conhecimento sobre seus problemas de saúde mental.

"Eu estava muito feliz com nossa família. Era uma ótima família. Fui abençoado por 53 anos. E aí isso aconteceu. Não sou feliz agora", afirmou Babcock, negando que ele já houvesse agredido a filha.

Nos meses que antecederam sua morte, Laura Babcock teve uma vida problemática. A família a descrevia como animada e extrovertida, mas ela teve problemas de ansiedade e depressão por muito tempo.

Naquele verão, Babcock estava rotineiramente brigando com os pais e havia ido surfar com amigos e clientes de seu trabalho como acompanhante, segundo foi dito no julgamento.

Ela e Millard namoraram entre 2008 e 2009 e mantinham relações mesmo depois do fim do compromisso, quando o rapaz já estava namorando Christina Noudga. Noudga, por sua vez, confessou em 2016 ter obstruído a Justiça e ajudado Millard a destruir provas do assassinato de Bosma.

Noudga brigou com Babcock, e a antiga namorada de Millard enviou mensagens provocativas à atual dizendo que havia dormido com ele.

Os promotores alegaram que Millard matou Babcock para acabar com a polêmica e o triângulo amoroso.

Meses antes de Babcock desaparecer, Millard enviou uma mensagem para Noudga para dizer: "Primeiramente, vou machucá-la. Depois vou fazê-la sair. Eu vou tirá-la das nossas vidas".

Millard e Smich começarão a cumprir a sentença por esse assassinato no dia do aniversário dela, em 12 de fevereiro de 2018.

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