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Gênio trabalhando

cadu done colunista metroNão me lembro desde quando torço por Roger Federer. Faz muito tempo. Também não tenho noção exata de quando essa torcida passou constantemente a me parecer, talvez, mais efusiva do que aquela que possuo pelo meu time do coração.

Dizem que torcer por Barcelona, Bayern, Phelps, New England Patriots, enfim, por organizações e atletas que ganham muito, é fácil. Pode ser. Mas me cansei de “sofrer” – aspas para fugir do exagero – vendo o suíço, insistentemente, perder para Rafael Nadal. Este ano, contudo, o tênis só tem me dado alegrias. Federer voltou a faturar um Grand Slam, venceu o primeiro Masters 1000 a acontecer logo depois e, nas trajetórias destas duas conquistas, bateu Nadal duas vezes.

A pergunta para os amantes do tênis nas últimas semanas, em termos técnicos, tem sido: será que Federer clara e definitivamente melhorou sua esquerda e que, com isso, além de crescer como jogador criou o antidoto perfeito para aplacar a estratégia que Nadal utilizava nos clássicos contra ele? Me parece que sim. Alguns comentaristas têm dito que, neste processo de evolução do seu backhand, que teria sido idealizado pelo atual treinador do suíço, o ex-tenista Ivan Ljubicic, Federer mudara até sua empunhadura – algo muito básico, bastante essencial, característico, da “alma” do tenista para ser alterado já no fim da carreira do maior de todos os tempos. Com ou sem o detalhe da empunhadura, cabe o registro: o que dizer de um atleta que, já estando completamente realizado em todo e qualquer item imaginável do seu ofício, tem a humildade, a ambição, o perfeccionismo para trabalhar e melhorar um golpe específico?

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Um dos assuntos que mais me fascinam no esporte é: no caso dos grandes gênios, dos personagens que mudam a história, qual seria a importância do talento, de algo um tanto inato, e do trabalho, do esforço, na construção da carreira, das performances que chacoalharam as perspectivas de uma modalidade? Qual a proporção de cada uma destas questões? Difícil dizer. Mas quando um exemplar perfeito dessa linhagem sai da zona de conforto, de uma espécie de caminho natural para, por meio dos treinamentos, do estudo, esmerar algo que em várias acepções não era “necessário” – em outras, talvez sim –, temos um elemento, um exemplo interessante para esta equação.

Os números muitas vezes mentem. Quase toda a imprensa peca ao não relativizar devidamente a vantagem de Nadal nos confrontos contra Federer. Muitos deles aconteceram quando, grosso modo, o suíço era tão dominante, tão bom, que ganhava tudo nas outras superfícies e chegava às finais no saibro – quando perdia para Nadal. O espanhol, por sua vez, não era tão constante, tão “perfeito” nos pisos que não o seu preferido – logo, os confrontos em decisões em quadras que favoreceriam Federer pouco aconteciam, em termos comparativos. Nessa esteira, em certo sentido, o suíço acabava quase que “punido” por sua qualidade e pela completude do seu jogo.

Cadu Doné é comentarista esportivo da rádio Itatiaia e da TV Band Minas, filósofo e escritor.

 

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